7/28/2003

A SERPENTE ADORMECIDA




Durante mais de 10 anos, vários especialistas em urbanismo e ordenamento do território compilaram e sistematizaram dados e formularam propostas sobre a Área Metropolitana de Lisboa.

Nesse trabalho, formalizado no PROT-AML (Plano Regional de Ordenamento do Território da Área Metropolitana de Lisboa), os autores desenharam sobre o mapa da área, um par de cornos a negro (desculpem a linguagem, mas sou ribatejano de alma), a partir da cabeça-Lisboa. Um desses cornos é precisamente o eixo Sacavém-Vila Franca de Xira.

Com todo o respeito, basta entrar no IC2, vindo de Lisboa, para qualquer pessoa perceber empiricamente, aquilo que, cientificamente fundamentado, é dito no PROT.

Ao darmos a primeira curva do IC2, deparamo-nos com essa gigantesca serpente adormecida à beira-rio, recostada no monte, em constante regurgitação, espécie de animal da Fábula, monstro que nem para dissimular os seus próprios dejectos se agita.

E, no seu interior, laboriosos gnomos procuram minimizar os estragos que a mais ínfima função fisiológica da criatura provocam, enquanto diabretes trocistas se divertem a alimentá-la, transportando muitas mais guloseimas do que as que supostamente caberiam nos seus pequenos bolsos, engordando-a.

Nos momentos de maior desespero, prostrado por mais um vómito do bicho, que depressa se torna parte do seu corpo em expansão, utilizo um subterfúgio subvertido para manter a esperança.

Imagino que um qualquer acontecimento extraordinário levou a uma debandada geral da população serpentícola, imagino que Portugal ganhou o Europeu de Futebol e que 9 milhões se engalfinham à volta do Santuário de Fátima, onde se encontra a Selecção Nacional, ou que um ovni amarou na Ericeira, suscitando a curiosidade receosa de milhões, que das falésias aguardam que do disco voador saiam pequenos homens verdes, entre uma sandes de torresmos e um penalti de tinto. Um gigantesco piquenicão da Ericeira a Peniche.

E nesse momento, no silêncio desse momento, um forte e preciso terramoto esvaziava a serpente, deixando-a jazendo, oca, à beira-rio.

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