OS ÓRFÃOS DO MURO
Certamente que a maioria dos meus leitores formaram a sua ideia do mundo com base numa escolha quase inevitável. O muro condicionou o pensamento e as ideias de toda a gente. Mesmo aqueles que nunca se sentiram particularmente inclinados para nenhum dos lados, tiveram que optar por um ou outro lado. Quando se diz do lado de cá do muro é apenas uma questão de perspectiva. O espectro das cores das coisas que nos fascinam foi diminuindo à medida que o muro foi crescendo, como que tapando o Sol. E assim, aqueles que viam o mundo em tons de amarelo, de rosa ou de castanho, passaram a vê-lo ou preto ou branco. Gerações foram condicionadas por esta perspectiva, fundamentaram a sua existência nestes princípios. E à medida que as posições se extremavam, mesmo aqueles que não se reviam rigorosamente em nenhum dos lados do muro foram obrigados a fazer uma escolha. O muro caiu, entretanto. Seria plausível que no lado que mais lutou para que o muro permanecesse surgissem hordas de órfãos confusos perante o Sol sem peneira. E assim sucedeu. Mais curioso e cruel foi terem surgido igualmente muitos órfãos do lado de cá (na minha perspectiva). Precisamente aqueles que mais se bateram para a queda do muro eram agora os mais confusos. Sem muro, sem contra-poder, todos os fundamentos das suas criações intelectuais ruíram, com o muro. Tinham sido ensinados a pensar sempre da mesma maneira, no pressuposto do inimigo, num espírito absolutamente maniqueísta e sentiam-se agora igualmente órfãos, como os órfãos do outro lado.
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