7/28/2003

O PARADOXO



Imagine o leitor uma comunidade constituída por 100 pessoas.

Em média, um habitante dessa comunidade gasta 50% do fruto da sua actividade em alimentação, 30% na fortificação da aldeia e 20% na sua habitação.

Acontece que na aldeia vizinha gastam 40% na fortificação e só 40% na alimentação. A ?nossa? aldeia, após um grande esforço, passa a gastar 50% em fortificação e em meios de ataque e acaba por derrotar a aldeia vizinha. Depois do furor bélico vem o amor carnal e como resultado a aldeia passa a ser habitada, em poucos anos, por 200 almas.

Decide-se então dividir a aldeia e os mais dotados nas artes da guerra deixam de ser agricultores, assim como os mais temerosos passam a dedicar-se exclusivamente ao cultivo e à pastorícia. Entretanto, a aldeia vizinha, ciente da sua inferioridade militar, concentra-se na produção alimentar. Logo aparece com produtos com menor custo e em maior quantidade, trocando alimentos por armas. A nossa aldeia, não querendo perder a sua independência, procura desesperadamente produzir os seus alimentos ainda mais baratos.

Passaram-se muitos, muitos anos, as aldeias expandiram-se, tornaram-se cidades, nações. Sucessivas vagas de guerra e amor passaram.

A necessidade de produzir mais com menos custos foi crescendo. Hordas de sábios e cientistas estudaram até à exaustão cada fruto e cada animal até os reduzirem a um agregado de fórmulas bioquímicas manipuláveis.

E de facto, hoje e em média, um habitante da aldeia global só gasta 20% do seu rendimento em alimentação. Eis o triunfo.

É verdade que gasta outros 20% do seu rendimento em comprimidos para combater a obesidade provocada pela alimentação, mais 10% em ginásios para ?manter a forma? afectada pela má alimentação e que contribui com outros 10% para que o Estado construa hospitais, que se enchem de pessoas enfermas de se alimentarem erradamente.

Dirá o leitor mais atento que o homem médio gasta hoje 60% do seu rendimento em alimentação ou por causa dela, ou seja ainda mais que o aldeão do início. Pois lamento informá-lo, mas está errado. Como diria K. Popper, ?o conhecimento é adquirido por tentativa e erro?. Por isso, quando estiver frente a uma realidade rotulada de enchido, que sabe a enchido, tem a forma de enchido e cheira a enchido, mas que de facto é um chouriço cibernético ou uma morcela andróide, lembre-se da teoria do conhecimento de Popper. E em caso de erro, tenha uma pastilha digestiva à mão. Se observar bem os rótulos, verá que tanto a morcela como a pastilha provêm da mesma unidade industrial, embora de secções diferentes, claro. E não se preocupe com nitrofuranos, queijo de Nisa made in Taiwan ou sopas feitas de estrume (lembre-se da velha máxima que diz que na natureza, e na empresa, acrescento eu, nada se cria, tudo se transforma).


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