7/28/2003

DESMILITARIZAÇÃO, JÁ!



   
Com a queda do anterior regime, foi necessário não só mudar as instituições políticas, como reformar toda a administração pública, que em face da natureza do regime, estava instrumentalizada. Assim, tornou-se evidente que era não só necessário mudar os decisores políticos de topo, como também assegurar que os executores dessas políticas estavam irmanados do mesmo espírito. Ora, os partidos políticos surgiam como as únicas entidades, num regime democrático, com legitimidade para prosseguir esse caminho e assim, a sua intervenção na administração pública era vista como uma intervenção extensiva, na medida em que a função administrativa era uma extensão, digamos grosseiramente, uma aplicação das medidas políticas. Nesse capítulo, o Partido Comunista Português começou por levar vantagem pelo simples facto de ser mais antigo e mais organizado que os outros. Mas convenhamos que a necessidade de educar a administração e de encarrilá-la nas directivas dos partidos era um desejo de todos, mesmo que a solução fosse temporária e tivesse como objectivo evitar o vazio após o saneamento político. Rapidamente os outros partidos (PS, PPD e CDS) sentiram a necessidade de equilibrar a balança e a bem da democracia foram colocando os seus quadros na administração. Estava assim iniciada a guerra fria que tem marcado os últimos 29 anos da administração pública portuguesa. Não se julgue que ela se limita aos partidos que constituem o dito ?centrão? (PS e PPD). Na realidade, todos souberam arranjar nichos para os seus. Há medida que o Estado Providência ia crescendo, menor ia sendo o efectivo controlo das cúpulas partidárias sobre os movimentos das tropas e o objectivo primário, que supostamente seria o de substituir os quadros saneados por quadros ideológica e politicamente esclarecidos. A sucessiva criação de institutos, direcções gerais, empresas públicas e afins perverteu por completo o objectivo inicial. E a necessidade fez com que os critérios fossem menos rigorosos e os centros de decisão esbateram-se. A entrada de Portugal na CEE foi um momento enternecedor de demonstração pavloviana de reflexos condicionados. E nenhum Governo conseguiu dar um passo efectivo para contrariar este fluxo. Em 29 de democracia foram poucos os anos em que a AP conseguiu efectivamente administrar, porque cada vez que mudava um Governo, mudavam milhares de titulares de cargos de topo da administração. Veja-se este exemplo, só aplicável aos últimos 16 anos de governação: de quatro em quatro anos mudava o Governo, traduzindo-se em termos de administração na seguinte fórmula: o primeiro ano é para colocar os quadros, o segundo ano para impor a sua própria estratégia, no terceiro ano vigora essa estratégia e o quarto ano é de expectativa. Assim, e numa hipótese optimista, em cada quatro anos a administração só funcionou um, ou seja, em 29 anos só funcionou 7. Como resultado temos uma administração bem mais instrumentalizada e corporizada que a do Estado Novo. O remédio, de tão forte e de aplicação tão prolongada, deixou o paciente moribundo. É tempo de desmilitarizar a AP. Já!

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