7/28/2003

COCKTAIL



Nos tempos em que este aspirante a cronista bebia com muita frequência e bastante imoderação, tinha algumas regras básicas que seguia, se queria evitar bebedeira certa. Uma delas, ?bebida? da dogmática dos consumidores experimentados preceituava que não se deviam fazer misturas.

É por isso que hoje, abstémio militante, olho com desconfiança para esse cocktail explosivo que nos últimos anos se popularizou em certos bares da nossa sociedade, frequentados por clientes em regime de exclusividade.

Para quem ainda não percebeu do que estou a falar (o que parece ser um defeito das minhas crónicas), eu explicito: o cocktail é constituído pela mistura de Câmaras Municipais, construtores civis e clubes de futebol e o seu abuso teve como última ressaca o caso Felgueiras.

Não vou como é óbvio, pronunciar-me sobre o caso em concreto, mas antes tentar perceber o que se pode retirar, ?generalizar?.

Pus generalizar entre aspas porque objectivamente não posso afirmar que todas as Câmaras Municipais deste País são casos Felgueiras em potência. Não alinho obviamente na tese de que os autarcas são todos feios, porcos e maus. Não são.

Digo, isso sim, que quando se misturam aqueles três ingredientes é meio caminho andado para relações menos transparentes. Afirmo que aquela ideia muitas vezes veiculada nas ditas conversas de café de que os autarcas têm que ser espertos e ?saber viver? me causa profunda consternação, porque é um sintoma evidente da falta de cultura democrática de muitos concidadãos, de esperteza saloia, do ?salve-se cada um como puder?, como se a razão última para vivermos em sociedade não fosse fazermos em conjunto aquilo que não conseguimos sozinhos, mas antes uma condição pré-determinada com a qual vivemos incomodados.

Não basta a existência destas três realidades (autarquia, construção civil e futebol) no mesmo espaço geográfico para que se possa automaticamente dizer: desvio de poder ou corrupção. É no entanto espantoso como certas colectividades de bairro se tornaram em clubes de futebol profissional e como certos trolhas são hoje magnatas do betão.

Por isso acho que para se evitar o clima de suspeição geral, muitas vezes em relação a pessoas que se dedicam altruisticamente à sua comunidade, se deviam investigar seriamente as situações que apresentam fortes indícios de desvio de poder e de corrupção, independentemente da eventual prescrição criminal.

E se me permitem, deixo um modesto conselho, para os destinatários óbvios: se tiver que decidir, não beba.

E sobretudo não faça misturas.

Sem comentários: