7/28/2003

O BISNAU




Tenho a certeza que mesmo os meus leitores menos atentos já ouviram falar daquele género de criaturas que, nunca se conhecendo verdadeiramente a sua natureza, nem existindo provas cientificamente irrefutáveis da sua existência, se suspeita serem tão reais como nós. Enquadram-se nessa categoria o Abominável Homem das Neves ou o Monstro do Loch Ness.
Pois bem, sei de fonte segura que as autoridades locais suspeitam da existência de um tal ser aqui, no nosso burgo. Embora de forma cautelosa e sem nunca o admitirem, peritos andam já no terreno, procurando pistas que levem à identificação de tal alimária.
Essa task-force baptizou, provisoriamente, o animal como Bisnau e já identificou o seu modus operandi: pela calada da noite, esgueira-se por entre os automóveis estacionados e presume-se que trepa os prédios. E digo presume-se porque nunca ninguém viu tal acção, mas diversos relatos apontam para a identificação do bisnau refugiado por detrás das janelas que os incautos deixam abertas, perpetrando o acto que levou à suspeita da sua existência: o lançamento de sacos do lixo e de objectos na via pública. Está assim explicado, pelo menos em parte, o quadro matinal com que somos brindados, feito de sacos de lixo obesos e outras coisas que a linguagem vernácula tão bem caracteriza, esparramados nos jardins fronteiros aos prédios, quais turistas suecos aguardando imóveis as escassas horas de Sol num qualquer relvado de Gotemburgo. Os testemunhos afirmam que o estranho ser é antropomórfico e provavelmente humanóide, sendo possível vislumbrar os seus membros superiores que num movimento rápido, lançam, por vezes a distâncias consideráveis, caroços de fruta, embalagens de iogurte, pacotes de leite, enfim, um sem número de objectos que nós, humanos, arrumamos sumariamente na categoria de lixo. Alguns bisnaus parecem dispor de um dispositivo natural que emite uma intermitente luz vermelha, mais ou menos no sítio onde nós temos a boca. Os investigadores aventam a hipótese de se tratar de um rudimentar sistema de comunicação, pois por vezes lançam essas pequenas luzes em conjunto com os detritos. Chegou-se entretanto a um impasse: ou o animal é muito rápido ou reproduz-se muito. Como as quantidades de lixo deixadas no meio da rua continuam a aumentar, alguns cientistas defendem que se trata de um só animal, que à medida que se vai adaptando ao meio ambiente, vai ficando mais rápido, entrando em cada vez mais janelas abertas. Um outro grupo justifica tal aumento com o crescente número de bisnaus. Matéria que suscita maior consenso é a da necessidade de cautelosamente se alertar a população da existência destas criaturas noctívagas. Brevemente será tornado público um comunicado onde se solicita à população que feche bem as janelas no período nocturno e que não deixe o seu lixo indevidamente acondicionado.
Como em tudo na vida, também entre estes reputados cientistas existe um grupo, minoritário, claro, de cépticos, que refuta a existência do Bisnau. Segundo a sua perspectiva, incongruente aliás, os sacos do lixo e outros detritos, são lançados nas ruas e nas zonas verdes pelos próprios moradores, ao abrigo da noite. Esta teoria não tem qualquer fundamentação e esfuma-se no postulado da racionalidade humana. Parece-me claro que este tipo de acção é característica de seres irracionais, de bestas, não sendo possível, portanto, numa sociedade humana.
Estou certo que mais cedo ou mais tarde as autoridades vão capturar um bisnau vivo ou morto e acabar de vez com a sua acção malévola.
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