7/28/2003

Léxico

A língua portuguesa, como coisa “viva” que aparenta ser, tem mutações constantes (eis um paradoxo inadvertido...), apresenta manifestações que variam ao sabor (ou melhor ao som) da sua promíscua dança com outras línguas. Talvez por isso, sempre que dá um passo menos previsto ou desejado, assumo uma posição passiva, aguardando que esse passo se enraíze ou fique perdido na história. Não deixo no entanto de apontar essas variações. É um estrato desses apontamentos que aqui vos deixo.

Janela de Oportunidade – Esta novel expressão lembra-me duas coisas: primeiro a história de Romeu e Julieta. Se não fosse a janela Romeu não teria oportunidade de “privar” com Julieta. Depois as minhas primeiras viagens de comboio, em que as janelas eram uma oportunidade para mandar fora o inútil: cigarros, jornais, restos de comida, eventualmente o passageiro sentado à nossa frente. Hoje a expressão designa alguém que olha para os acontecimentos como um miúdo olha para um carrossel. Na primeira oportunidade entra para o bicho mais espampanante ou ruidoso. A janela de oportunidade substitui a ausência de critério. O que interessa é entrarmos e não onde entramos. Chama-se a isto pragmatismo e em Portugal temos muitos adeptos deste desporto radical. Como por exemplo, o Zé Manel. Esse que estão a pensar. O da família dos pércidas.
Diagnóstico – outra palavra já velha de séculos, mas sempre com uso renovado. Faz parte do léxico de qualquer candidato a político, a tecnocrata, a comentador televisivo. Primeiro faz-se o diagnóstico. Seja qual for o assunto ou a percepção do mesmo que se tenha, faz-se um diagnóstico. No tempo em que as pessoas “públicas” eram menos pomposas e mais substantivas, estes “diagnósticos” chamavam-se bitaites. O resultado, ou melhor, o diagnóstico é sempre o mesmo: o sapo fica surdo quando lhe cortam as patas.
Cirúrgico – a palavra não é nova, mas tem sido utilizada profusamente. Designa precisão. Assim, no futebol, temos os cortes cirúrgicos. Já na guerra temos os bombardeamentos cirúrgicos. Duplamente cirúrgicos. Se não acertam com precisão no alvo, obrigam a uma intervenção cirúrgica. Na maior parte dos casos autópsias.
Competitividade – Ciclicamente, uma das ditas ciências sociais toma a dianteira e pretende assumir-se como ciência agregadora das outras todas. Já aconteceu com a sociologia, com a psicologia e acontece actualmente com a economia. É um sintoma de crescimento. Afinal a economia é uma jovem ciência com pouco mais de 200 anos. E assim, como qualquer jovem panfletário, grita palavras de ordem. Como por exemplo competitividade. Competir significa pretender alguma coisa simultaneamente com outrem. É esse o grande objectivo da nossa existência. Sermos melhores que os outros, independentemente do objecto. Temos é que ser melhores que o vizinho, sob a ameaça do vizinho ser melhor que nós. Esta visão das coisas consome-se na sua própria estreiteza. Os portugueses são muito competitivos. Na sinistralidade rodoviária, no consumo de álcool, na fuga e na fraude ao Fisco. E isso é bom, porque o que seria da nossa sociedade sem um forte sector empresarial de bate-chapas? E da nossa indústria de engarrafamento? Já reparou o leitor no que seria a nossa vida se não pudéssemos invejar e satanizar o vizinho que mais esperto que nós, não paga impostos?
Pro-activo – Esta palavra espanta-me. O que é um pro-activo? Aquele que actua antes da acção? Suponho que pro-activo é um tipo que na falta de acção, inventa ele mesmo a acção. Do estilo de morar na Póvoa e trabalhar no Forte da Casa, mas dar a volta pela 2ª circular só para contribuir para a acção, para o bulício do trânsito, ou seja, para a ausência de acção. Com a celeridade erosiva que os pro-activos nos são apresentados, não deve tardar muito a surgir a nova geração: o pré-pro-activo.

Prometo voltar oportunamente a este tema. Desejo-vos um bom dia. Pro-activo, claro.

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