7/28/2003

O MECENAS

Meus caros leitores, venho hoje revelar-vos que, além de funcionário público, sou estudante de Direito. Na prática, sou um M&M amargo. Já não me bastava ser Mandrião, como ainda me candidato a Malandro. O curso de Direito é em grande parte constituído por cadeiras onde os alunos procuram resolver casos práticos, isto é, ficções que pretendem retratar o mais fielmente possível a realidade. É um desses casos práticos que trago hoje ao vosso conhecimento.

António, jovem empresário da construção civil, resolve doar 500 contos a uma instituição particular de solidariedade social, ao abrigo da lei do mecenato, por acaso dirigida por Bento, seu amigo de longa data. Na realidade António não doou nada, pois Bento é dono de uma empresa de importação, e passou uma factura que refere que a venda foi constituída por vários milhares de fraldas, produto descartável, como convém. António fica com 250 contos, Bento com igual montante. Aproveitando uma singela homenagem ao benfeitor António, pela sua doação filantrópica, Bento reclama da autarquia local a construção de um novo equipamento para a IPSS que abnegadamente dirige. David, presidente da autarquia acede na construção e sendo um homem moderno e de vistas largas, candidata esse projecto a fundos comunitários. António ganha evidentemente a empreitada e compromete-se a construir o equipamento por 100.000 contos. Aliás António ganhou nos últimos tempos várias empreitadas na região. Consegue assim reduzir os custos unitários e constrói o equipamento por 60.000 contos, mas em nome do rigor das finanças públicas apresenta uma conta final de 100.000, o valor orçamentado. Acrescenta apenas 10.000 contos porque a empresa que projectou a obra (por acaso pertencente a um cunhado seu) não avaliou devidamente os custos e porque sempre gostou de números redondos e assim lucra 50.000 contos. Feitas as contas, António teve um lucro de 250.000 contos, pois tinha mais 4 obras na zona. Sabe entretanto de um terreno pertencente a uma família com falta de liquidez e apresenta o projecto a David, falando com o gerente do banco local, pedindo um financiamento para a construção de uma urbanização, aproveitando também para abrir uma conta nas ilhas Caimão, onde coloca os 250.000 contos que ganhou anteriormente. Posto perante algumas vozes discordantes do seu projecto, António rapidamente chegou à conclusão que se ele, homem simples e terra-a-terra, achava o empreendimento interessante, mais o achariam os cultos e esclarecidos que o contestavam, pois podiam observá-lo à luz da estética e da sua qualidade arquitectónica. Descobriu que esses homens iluminados, que passavam horas a projectar o mundo, quando regressavam ao mundo dos vivos, vinham desejosos de materialidade, por assim dizer. Nada que uns belos T5 na cobertura das mais altas torres não saciassem. Erigia-se assim a Urbanização. António factura 5 milhões de contos e não querendo deixar os seus créditos por mãos alheias, cria um conjunto de empresas para prestarem os serviços urbanos (recolha de lixo, jardinagem etc.) na sua urbanização. Por especial atenção ao seu amigo Presidente David faz um preço ?em conta? e aproveita os funcionários a contrato que David foi obrigado a despedir em nome da contenção de despesas. Todos lucram: lucra David que diminui as despesas com pessoal, sendo por isso elogiado até pela oposição e lucra António que aproveita o conhecimento que os trabalhadores adquiriram, até porque como ele bem sabe, pois também possui uma empresa especializada em formação profissional, dirigida pela sua mulher, a formação, além de cara é, na maior parte das vezes uma fraude. Bem, na verdade as despesas com pessoal diminuíram 50.000 contos no orçamento da autarquia e só o contrato de concessão que António assinou com David custa aos cofres públicos 250.000 notas por ano. Mas são um investimento, claro. António, católico por formação, jura a si mesmo que assim que não estiver atarefado a constituir uma nova empresa de prestação de serviços ou a projectar uma moderna urbanização, vai visitar as ilhas Caimão.

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