7/28/2003

A MAIORIA SILENCIOSA




A palavra maioria tem funcionado como um salvo-conduto no mais recente período da democracia portuguesa. Os maiores dislates são legitimados pela pressuposta existência de uma maioria apoiante. A expressão ?a maioria dos portugueses? faz-me lembrar aquela partida que consiste em oferecer um grande embrulho com uma minúscula prenda lá dentro.

Vejamos a maioria do Povo Português (subentende-se com capacidade eleitoral activa): 8.902.713. Desses quase 9 milhões só votaram 5473655 e desses quase 5 milhões e meio de votantes só 2.200.765 votaram no partido vencedor. O grande embrulho dá uma prenda muito pequenina. Já nas eleições anteriores se tinha repetido o mesmo cenário (8.864.604 inscritos, 5.415.102 votantes e 2.385.922 votantes no partido vencedor).

Justifica-se este nível de abstencionismo com uma falácia: o mal não é só nosso, é da Europa, com uma democracia velha de 50 anos. Acontece que nós não temos democracia nem há 50, nem há 40 nem sequer há 30 anos e temos uma das maiores taxas de abstencionismo de toda a Europa. Acresce que enquanto no Norte da Europa, a participação cívica é um facto quotidiano e complementar da actividade dos partidos políticos, em Portugal, em consequência de mais de 40 anos de um regime retrógrado, não se fomentou (antes se esterilizou) a manifestação civil.

O fenómeno parece-me ser preocupante, mas não é um problema dos políticos ou dos partidos. É um problema de todos. Há que fazer uma errata: quando se ouve alguém dizer ?não ligo à política?, deve ouvir-se ?não gosto do funcionamento dos partidos?, porque não é plausível que exista algum português que não se identifique com pelo menos um partido do espectro ideológico, que começa no Dr. Garcia Pereira e no seu M.R.P.P. e acaba numa extrema-direita camaleónica. A não ser, claro, os ?anarquistas?, normalmente agraciados pelo Estado com chorudas subvenções.

Porque há um ponto em que a legitimidade se torna meramente formal, quando as ditas maiorias são maiorias de minorias. Hoje o maior partido português é o P.P.A., o Partido Popular da Abstenção. Ora, a partir do momento em que há mais abstencionistas que votantes, as regras da democracia estão pervertidas, a maioria não expressa a sua vontade. É a chamada maioria silenciosa. Meio caminho andado para um novo Estado. Ou um Estado Novo.

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