4/17/2006

VOU VOLTAR PARA A MINHA TERRA

Parafraseando a minha mãe, no fundo sou um rústico, um inadaptado à vida urbana. Ora, a “coisa” só pode ser atávica, porque nunca morei em sítio diferente do que moro hoje e se é certo que nem sempre foi um subúrbio, não tenho qualquer memória de uma Póvoa rural. Nem sequer usufrui das idas de Verão “à terra”, como muitos dos putos da minha geração. As minhas idas ao campo foram sempre a aldeias emprestadas, com primos e primas emprestados a quem me limitava a simular um sorriso de circunstância.

Não posso no entanto deixar de dar razão à minha mãe, porque de facto tenho uma certa fobia de multidões, de apertos, de barulho. Gosto de conhecer os vizinhos, de morar a 100 metros do meu emprego.

Trocava de bom grado um t7 por uma quintarola com terreno para me espojar à vontade, pelo que concluo que sou mesmo rústico. Atavicamente rústico.

Vem toda esta converseta a propósito do abandono do mundo rural.

As pessoas hoje fogem do interior e do campo, seja para os contínuos urbanos do litoral ou para as cidades ditas médias.

Os putos da minha geração ainda têm, na sua maioria, pais que vieram dos sítios mais recônditos. Os meus filhos têm pais que são filhos do subúrbio.

A questão de fundo é esta: numa sociedade onde existe liberdade de circulação e de estabelecimento, como é que o Estado pode obrigar as pessoas a ficarem num determinado sítio? Não pode.

Tenho a convicção que as pessoas vão voltar ao campo, mas por reacção, isto é, quando mais uma vez a cidade não lhes garantir o mínimo. Ao longo da história estas migrações têm sido cíclicas, campo-cidade, cidade-campo.

Por isso entendo que esforços como a manutenção de serviços públicos (escolas, tribunais, fisco, centros de saúde) não servem de nada e acabam por piorar a condição de vida da maioria das pessoas (que vivem na cidade), porque os recursos são aplicados de forma desproporcionada. Como já afirmei, ninguém vai morar para o mundo rural só porque lá existe um centro de saúde, uma escola ou um tribunal. As pessoas precisam de fontes de rendimento e a solução não passa por novos investimentos, leia-se fábricas, porque a partir do momento em que se instale uma fábrica em Carrapatosa de Cima, nascerá, mais cedo ou mais tarde, uma cidade. O campo só se mantém com actividades rurais, com a agricultura, com a pecuária e afins. É por isso que se chama campo. Se se mantivesse com a indústria chamava-se subúrbio. Tinha prédios para albergar os trabalhadores.

Ora isso levanta outro problema. Como hoje podemos comprar alfaces da Tailândia e beldroegas do Chile, e na Tailândia e no Chile produzem muito mais barato, a nossa agricultura não consegue competir.

Mais uma vez não depende do Estado nem da PAC a sobrevivência, mas do simples facto das pessoas perceberem que quando estão a comer tomates alentejanos ou cerejas transmontanas estão não só a alimentarem-se como a ajudar a que se mantenha o mundo rural, mesmo que isso lhes saia mais caro. Porque caro vai sair sempre. A partir do momento em que a fuga para os subúrbios for total, vão começar a pagar mais impostos, fazer estradas, implementar serviços públicos, vai ser inimaginavelmente mais caro, porque na malha urbana compactada em que cada vez mais vivemos, arranjar espaço para uma estrada vai ser um desafio para a engenharia e um sorvedouro de dinheiro constante.

Nenhum Estado (nem mesmo ditatorial) consegue mudar, por si só, as mentalidades e os hábitos das pessoas. Por isso, a questão resume-se no essencial à opção de vida e de sociedade que queremos. Isto significa mudar a estrutura da nossa despesa familiar, sermos mais racionais no consumo de bens que são escassos, o que contradiz a vontade de uma sociedade que só agora começa a chegar aos prazeres consumistas da classe média e de uma certa, mas pouco sustentada, abastança.