Quem não tem cão, caça com gato
Quem não tem telemóvel, usa o fixo
Em casa de ferreiro, espeto de pau
Em casa de informático, ligação analógica
O hábito não faz o monge
O Visa Gold não faz o executivo
Quem não quer ser lobo não lhe veste a pele
Quem não quer ir para o Alcoitão, não acelera no alcatrão
Diz-me com quem andas dir-te-ei quem és
Diz-me a quem sms mandas, dir-te-ei quem és
In vino veritas
In pastilla veritas
Grão a grão, enche a galinha o papo
Mais-valia a mais-valia, enche o pato o papo
Filho de peixe sabe nadar
Filho de peixe não sabe, não quer saber e tem raiva a quem sabe nadar
Casa assaltada, trancas à porta
Casa assaltada, tropas à porta
Mais vale um pássaro na mão que dois a voar
Mais vale um PEC na mão, que dois FMI’s a pairar
As aparências iludem
As inerências (e auto-regulações) iludem
Amigos amigos, negócios à parte
Amigos amigos, negócios de Marte
Quem tem boca vai a Roma
Quem tem boca vai para Bruxelas
Fia-te na Virgem e não corras
Fia-te na bacia do Ruhr e não corras
Quem vê caras, não vê corações
Quem vê a caras, não vê as inalações
Entre marido e mulher não metas a colher
Entre dois street racers, não metas a colher
Para quem é, bacalhau basta
Para quem é, meio dúzia de termos técnicos bastam
Quanto mais me bates, mais gosto de ti
Quanto mais me taxas, mais gosto de ti
Há mar e mar, há ir e voltar
Há mora e mora, há o pagar nunca e ir para fora
Zangam-se as comadres, descobrem-se as verdades
Terminam as parcerias, descobrem-se as patifarias
12/15/2005
11/24/2005
O CLUSTER DAS ROULOTES
Num tempo em que a própria palavra neologismo se tornará arcaica assim que eu terminar esta frase, somos constantemente bombardeados por um “brave new world”. Benchmarking, cluster, thinking tanks, sms, mp3, streaming, p2p, brainstorming, joyful sinking (esta inventei, mas se o tivesse ocultado e fosse um opinion maker, amanhã apareceriam 13 artigos de jornal e 297 referências em blogs sobre o assunto, com explicações de cátedra). Todos concordam (mais ou menos…) que o nosso futuro passa pela aposta na tecnologia e eu modestamente não contesto, só acho que como quase tudo temos que fazer as necessárias adaptações a este rectângulo à beira-mar plantado.
Assim, onde normalmente se lê I&D (Investigação e Desenvolvimento) deve ler-se Ignorante mas Desenrascado, essa palavra-chave da cabalística lusa. Não tenhamos ilusões: nós nunca vamos ter 50.000 brilhantes engenheiros civis, 10.000 geniais matemáticos ou 50.000 excelsos biólogos. Por outro lado vamos ter sempre dois milhões de treinadores de bancada frustrados, um milhão de empresários de boca, quinhentos mil políticos de café, duzentos mil cantores de casa-de-banho e um número impreciso, mas certamente elevado de tipos e tipas que acham que são bons em tudo, só que tiveram um conjunto de azares, que eles, cruz credo, não fossem modernos e iriam à bruxa.
Esta ideia não é uma forma mais ou menos disfarçada de reaccionarismo, mas uma conclusão lógica. Afinal, somos só 10 milhões e nem o nacionalista mais fanático (mesmo o do desenho do João Abel Manta) defende que somos todos génios ou sequer muito bons.
Aquilo que não podemos fazer é à força, mergulhar as “gerações futuras” numa educação racional, lógica e coerente, que ao chegar a casa de desmorona perante a ligação pirata e artesanal da Sport Tv que o pai fez.
Esta incongruência entre o reputadamente desejável e a realidade não traça só por si um destino de lenta agonia. À boa maneira da análise SWOT (vêem como eu também sou moderno?!) podemos utilizar as ameaças e torná-las oportunidades (ou lá como é que os tipos fazem).
Tenho um exemplo que se encaixa perfeitamente nisto.
As roulotes de comes e bebes.
Se não olharmos as roulotes unicamente do ponto de vista do consumidor tardio ou de feira, podemos ver, naquele 3x6, ou menos, toda a genialidade lusa.
Desde logo a começar pela forma absolutamente miraculosa, como numa arca frigorífica menor que a maior parte das arcas que por si só ocupam metade de milhares de T2 por esse país urbano fora, cabem as tradicionais minis, mas como a concorrência é, neste sector, poderosíssima, quem quiser sobreviver tem que lá ter as últimas da moda – água com sabor a aloé vera ou juripuritupiri, cerveja rosé etc.. E as bifanas. As salsichas.
No mesmo espaço move-se o pai, a mãe, a sogra e a Jessica Vanessa. A velha permanentemente a virar bifanas, rodando a placa entre os maxilares, a Jessica Vanessa graciosa entre a barriga do pai e as mamas da mãe. A mãe de mangas arregaçadas, dominadora do espaço e finalmente o pai: gerente, contabilista, porteiro, mecânico. Começando nas simples bifanas e cervejas, as roulotes foram sempre acompanhando o mercado e vieram os cachorros e vieram os hambúrgueres e os cachorros passaram a trazer um conjunto folclórico no topo e o sector, pimba, toca a pôr. A roulote-bar Zé das Rifas inventa o maxi-cachorro e logo a família Alves aparece com o hiper-cachorrão. Hoje têm televisão, bancos. Amanhã terão Internet, quartos.
Para além disso conseguem manter em funcionamento as roulotes durante anos, à chuva, ao frio, quase sempre puxadas por fords transit igualmente velhas.
Uma empresa roulote bar é simultaneamente uma empresa de restauração, de design e publicidade, e uma oficina auto. Esqueçam os pólos tecnológicos de engenharia. Há um mundo inexplorado mesmo à nossa frente. Viva o cluster das roulotes-bar!
Assim, onde normalmente se lê I&D (Investigação e Desenvolvimento) deve ler-se Ignorante mas Desenrascado, essa palavra-chave da cabalística lusa. Não tenhamos ilusões: nós nunca vamos ter 50.000 brilhantes engenheiros civis, 10.000 geniais matemáticos ou 50.000 excelsos biólogos. Por outro lado vamos ter sempre dois milhões de treinadores de bancada frustrados, um milhão de empresários de boca, quinhentos mil políticos de café, duzentos mil cantores de casa-de-banho e um número impreciso, mas certamente elevado de tipos e tipas que acham que são bons em tudo, só que tiveram um conjunto de azares, que eles, cruz credo, não fossem modernos e iriam à bruxa.
Esta ideia não é uma forma mais ou menos disfarçada de reaccionarismo, mas uma conclusão lógica. Afinal, somos só 10 milhões e nem o nacionalista mais fanático (mesmo o do desenho do João Abel Manta) defende que somos todos génios ou sequer muito bons.
Aquilo que não podemos fazer é à força, mergulhar as “gerações futuras” numa educação racional, lógica e coerente, que ao chegar a casa de desmorona perante a ligação pirata e artesanal da Sport Tv que o pai fez.
Esta incongruência entre o reputadamente desejável e a realidade não traça só por si um destino de lenta agonia. À boa maneira da análise SWOT (vêem como eu também sou moderno?!) podemos utilizar as ameaças e torná-las oportunidades (ou lá como é que os tipos fazem).
Tenho um exemplo que se encaixa perfeitamente nisto.
As roulotes de comes e bebes.
Se não olharmos as roulotes unicamente do ponto de vista do consumidor tardio ou de feira, podemos ver, naquele 3x6, ou menos, toda a genialidade lusa.
Desde logo a começar pela forma absolutamente miraculosa, como numa arca frigorífica menor que a maior parte das arcas que por si só ocupam metade de milhares de T2 por esse país urbano fora, cabem as tradicionais minis, mas como a concorrência é, neste sector, poderosíssima, quem quiser sobreviver tem que lá ter as últimas da moda – água com sabor a aloé vera ou juripuritupiri, cerveja rosé etc.. E as bifanas. As salsichas.
No mesmo espaço move-se o pai, a mãe, a sogra e a Jessica Vanessa. A velha permanentemente a virar bifanas, rodando a placa entre os maxilares, a Jessica Vanessa graciosa entre a barriga do pai e as mamas da mãe. A mãe de mangas arregaçadas, dominadora do espaço e finalmente o pai: gerente, contabilista, porteiro, mecânico. Começando nas simples bifanas e cervejas, as roulotes foram sempre acompanhando o mercado e vieram os cachorros e vieram os hambúrgueres e os cachorros passaram a trazer um conjunto folclórico no topo e o sector, pimba, toca a pôr. A roulote-bar Zé das Rifas inventa o maxi-cachorro e logo a família Alves aparece com o hiper-cachorrão. Hoje têm televisão, bancos. Amanhã terão Internet, quartos.
Para além disso conseguem manter em funcionamento as roulotes durante anos, à chuva, ao frio, quase sempre puxadas por fords transit igualmente velhas.
Uma empresa roulote bar é simultaneamente uma empresa de restauração, de design e publicidade, e uma oficina auto. Esqueçam os pólos tecnológicos de engenharia. Há um mundo inexplorado mesmo à nossa frente. Viva o cluster das roulotes-bar!
10/25/2005
GNOMOS EM BICOS DOS PÉS
Agora que as Eleições Autárquicas terminaram e que todas as forças concorrentes já tiveram tempo suficiente para as análises necessárias, julgo que é oportuno percebermos os erros que foram cometidos e sobretudo discutirmos aquilo que queremos em termos de poder local.
Há uma análise que é subscrita pela maioria das pessoas: estas foram as piores eleições autárquicas em 30 anos. Não tanto pelos casos terceiro-mundistas que já se conhecem, mas porque de um modo geral, o discurso político foi mau, completamente desligado da realidade, feito de jargão oco e de pseudo-modernidade. Não me parece que a grande maioria dos candidatos (onde aliás me incluo e por isso assumo a mea culpa) o faça por má fé ou dolo. Fazem-no porque individualmente não têm hipótese de mudar o discurso, porque se entra numa corrida sem sentido em que se prometem coisas mais mirabolantes que o adversário. Veja-se um caso típico: um candidato a Presidente de Junta, para ser absolutamente leal com os seus eleitores, pouco mais pode prometer que manter as ruas limpas e cuidar das áreas ajardinadas. Esta é a realidade. Segui atentamente a campanha e vi vários candidatos às freguesias e aos concelhos prometerem a criação de zonas industriais (leia-se uma oficina e um stand de automóveis no meio de um pinhal), o desenvolvimento do turismo, estradas, túneis etc., etc., sem referirem sequer que muitos desses desejos estão para além das suas competências ou poderes. Não há nada de mais ridículo do que vermos discursos que recorrem a linguagens técnicas, quando manifestamente os seus autores não sabem do que estão a falar, nem têm conhecimentos ou habilitações para tal.
Nos próximos quatro anos temos que pensar que gestão autárquica realmente queremos. Temos que pensar se faz algum sentido termos mais de quatro mil freguesias e mais de trezentos concelhos. Estou convencido que não faz nenhum sentido, que não é justo que os contribuintes paguem a manutenção de serviços públicos prestados por Câmaras e Juntas que manifestamente não têm dimensão nem meios para os prestarem, encarecendo o seu preço.
Veja-se o caso do concelho de Vila Franca de Xira. Eu entendo, como princípio de discussão, que não faz sentido termos 11 freguesias. Julgo que 4 freguesias eram suficientes, reunindo Póvoa, Vialonga e Forte da Casa numa, Alverca e Sobralinho noutra, Alhandra, Vila Franca de Xira, Castanheira numa terceira e finalmente as freguesias rurais, Calhandriz, Cachoeiras e São João dos Montes, numa só. Hoje o que temos, com esta dispersão, são serviços exactamente iguais em todas as freguesias (varrição, jardinagem) mas caros e ineficazes, porque muitas das freguesias não têm dimensão para prestarem um serviço correcto e eficiente e por outro lado não prestam aqueles serviços que supostamente deviam prestar e que fazem sentido numa lógica de proximidade, como a Acção Social. As ruas não precisam de carinho, de conforto ou de solidariedade. As pessoas e os seus problemas precisam disso tudo e não podem ser tratadas por um aparelho burocrático e com enxaquecas permanentes. Não há nenhuma razão para não se fazer isto, para além das razões que nos caracterizam como subdesenvolvidos. As pessoas que vivem na Póvoa são as mesmas que vivem em Vialonga ou no Forte da Casa. Toda a gente sabe que não é possível termos forças de segurança, serviços públicos, como os Registos ou as Finanças, ou escolas secundárias em todas as freguesias. Aliás, as 3 freguesias mantêm fluxos diários e regulares de pessoas, bens e serviços.
Enquanto mantivermos autarcas nas grandes urbes com a mentalidade de político de aldeia, não há hipótese. Continuaremos a ser pequeninos gnomos em bicos dos pés.
Há uma análise que é subscrita pela maioria das pessoas: estas foram as piores eleições autárquicas em 30 anos. Não tanto pelos casos terceiro-mundistas que já se conhecem, mas porque de um modo geral, o discurso político foi mau, completamente desligado da realidade, feito de jargão oco e de pseudo-modernidade. Não me parece que a grande maioria dos candidatos (onde aliás me incluo e por isso assumo a mea culpa) o faça por má fé ou dolo. Fazem-no porque individualmente não têm hipótese de mudar o discurso, porque se entra numa corrida sem sentido em que se prometem coisas mais mirabolantes que o adversário. Veja-se um caso típico: um candidato a Presidente de Junta, para ser absolutamente leal com os seus eleitores, pouco mais pode prometer que manter as ruas limpas e cuidar das áreas ajardinadas. Esta é a realidade. Segui atentamente a campanha e vi vários candidatos às freguesias e aos concelhos prometerem a criação de zonas industriais (leia-se uma oficina e um stand de automóveis no meio de um pinhal), o desenvolvimento do turismo, estradas, túneis etc., etc., sem referirem sequer que muitos desses desejos estão para além das suas competências ou poderes. Não há nada de mais ridículo do que vermos discursos que recorrem a linguagens técnicas, quando manifestamente os seus autores não sabem do que estão a falar, nem têm conhecimentos ou habilitações para tal.
Nos próximos quatro anos temos que pensar que gestão autárquica realmente queremos. Temos que pensar se faz algum sentido termos mais de quatro mil freguesias e mais de trezentos concelhos. Estou convencido que não faz nenhum sentido, que não é justo que os contribuintes paguem a manutenção de serviços públicos prestados por Câmaras e Juntas que manifestamente não têm dimensão nem meios para os prestarem, encarecendo o seu preço.
Veja-se o caso do concelho de Vila Franca de Xira. Eu entendo, como princípio de discussão, que não faz sentido termos 11 freguesias. Julgo que 4 freguesias eram suficientes, reunindo Póvoa, Vialonga e Forte da Casa numa, Alverca e Sobralinho noutra, Alhandra, Vila Franca de Xira, Castanheira numa terceira e finalmente as freguesias rurais, Calhandriz, Cachoeiras e São João dos Montes, numa só. Hoje o que temos, com esta dispersão, são serviços exactamente iguais em todas as freguesias (varrição, jardinagem) mas caros e ineficazes, porque muitas das freguesias não têm dimensão para prestarem um serviço correcto e eficiente e por outro lado não prestam aqueles serviços que supostamente deviam prestar e que fazem sentido numa lógica de proximidade, como a Acção Social. As ruas não precisam de carinho, de conforto ou de solidariedade. As pessoas e os seus problemas precisam disso tudo e não podem ser tratadas por um aparelho burocrático e com enxaquecas permanentes. Não há nenhuma razão para não se fazer isto, para além das razões que nos caracterizam como subdesenvolvidos. As pessoas que vivem na Póvoa são as mesmas que vivem em Vialonga ou no Forte da Casa. Toda a gente sabe que não é possível termos forças de segurança, serviços públicos, como os Registos ou as Finanças, ou escolas secundárias em todas as freguesias. Aliás, as 3 freguesias mantêm fluxos diários e regulares de pessoas, bens e serviços.
Enquanto mantivermos autarcas nas grandes urbes com a mentalidade de político de aldeia, não há hipótese. Continuaremos a ser pequeninos gnomos em bicos dos pés.
10/20/2005
Senhor! Concedei a esta pobre, velha e quase cega serva um último desejo: Quando a minha filha Ermengarda crescer, fazei com que case com o Dr. Rogério Alves!
Sim, esse mesmo, Bastonário da Ordem dos Advogados, gentil homem, de modos cândidos, sempre disposto a explicar o funcionamento da Justiça ao Povo, que ainda ontem, comparava, na TSF, penaltis com sentenças, para que o povo percebesse o que é a Justiça. O Dr. Rogério, mesmo quando encarna o Rogério Corporativo é educado, polido, cordial. Juro Senhor, que me pareceu ouvir a Mary Poppins em ameno diálogo com o nosso querido bastonário tal é o ambiente idílico em que me sinto sempre que o ouço.
Sendo Bastonário, acredito piamente que não usa bastão, quanto muito uma varinha mágica, se isso não afectar a sua imagem varonil. Depois do bruto Xerife Lima é bom saber que temos um verdadeiro cavalheiro na Ordem, a apelar ao diálogo, lembrando-me esse outro gentleman dialogante António Guterres.
Não me haveis concedido o desejo de casar Ermengarda com António Guterres, concedei-me ao menos o Dr. Rogério.
Já me estou a imaginar, aos Domingos à tarde, a receber o Rogério e a Ermengarda, para o chá das cinco, acompanhados pelo Edmundo e pela Doroteia, petizes que serão certamente a luz dos meus olhos.
Sim, esse mesmo, Bastonário da Ordem dos Advogados, gentil homem, de modos cândidos, sempre disposto a explicar o funcionamento da Justiça ao Povo, que ainda ontem, comparava, na TSF, penaltis com sentenças, para que o povo percebesse o que é a Justiça. O Dr. Rogério, mesmo quando encarna o Rogério Corporativo é educado, polido, cordial. Juro Senhor, que me pareceu ouvir a Mary Poppins em ameno diálogo com o nosso querido bastonário tal é o ambiente idílico em que me sinto sempre que o ouço.
Sendo Bastonário, acredito piamente que não usa bastão, quanto muito uma varinha mágica, se isso não afectar a sua imagem varonil. Depois do bruto Xerife Lima é bom saber que temos um verdadeiro cavalheiro na Ordem, a apelar ao diálogo, lembrando-me esse outro gentleman dialogante António Guterres.
Não me haveis concedido o desejo de casar Ermengarda com António Guterres, concedei-me ao menos o Dr. Rogério.
Já me estou a imaginar, aos Domingos à tarde, a receber o Rogério e a Ermengarda, para o chá das cinco, acompanhados pelo Edmundo e pela Doroteia, petizes que serão certamente a luz dos meus olhos.
COMENTADORES E CONTESTAÇÕES FAST FOOD
A noite das Eleições Autárquicas foi para mim bastante hilariante, quase o equivalente a uma ganza bem esgalhada (se a memória não me falha).
Desde logo porque em termos pessoais e locais, as coisas correram exactamente como eu estava à espera (à excepção do resultado de um certo partido que se declarava vencedor e acabou por ficar em terceiro lugar) e não como outros esperavam. Os esgares de espanto e surpresa são efectivamente uma fonte de riso inesgotável.
O melhor estava reservado para o fim, ou como dizem alguns, para o rescaldo (a expressão faz-me lembrar comida requentada).
Os doutos comentadores mediáticos apresentaram uma explicação para a derrota do PS: um “cartão amarelo” ao Governo.
Esta explicação é ilógica, não estabelece nenhuma relação causa-efeito e carece de demonstração. Senão, vejamos.
Se o eleitorado tivesse querido mostrar o seu descontentamento perante a política do Governo, os maus resultados teriam sido generalizados. No Norte, no Sul e até no polylon. Ora, não foi isso que se verificou. A premissa que serve de base a esta conclusão afirma que “os maus resultados foram generalizados, excepto nos concelhos onde o valor pessoal dos candidatos minorou os danos”. Tenta-se estabelecer uma relação directa e necessária entre a apreciação do Governo e a tendência de voto local, mas não demonstrando, com factos, essa relação.
A autonomia das eleições e dos resultados locais fica demonstrada quando se verifica que por exemplo, o Partido Comunista obtém, no mesmo Concelho (por exemplo, no caso de Vila Franca de Xira), resultados completamente diferentes nas Eleições Autárquicas e nas Eleições Legislativas, o mesmo se passando com os outros Partidos do espectro político.
Pelos piores mas também pelos melhores motivos, as eleições locais são cada vez mais centradas no candidato e a sua filiação partidária é um factor secundário.
Achar que um adversário é pouco conhecido em termos nacionais, não só não diminui o visado, como também e sobretudo denota que o autor desta afirmação (o candidato do PSD à Câmara Municipal de Vila Franca de Xira), sendo um cientista político encartado, não percebe objectivamente nada de política.
A maior parte dos portugueses não sabe nem nunca ouviu falar de Maria Emília de Sousa (Já fez programas culinários na televisão? É aquela moça que apresenta os telejornais na SIC? Correu no Paris-Dakar? Apareceu na capa da FHM?), mas toda a gente a conhece em Almada, onde ganhou mais uma vez com maioria absoluta. E sistematicamente o PCP não ganha nas Eleições Legislativas naquele concelho. É preciso dizer mais alguma coisa?
O Portuga, esse animal pouco polido e tosco, pode não ter uma percepção sistemática da realidade, ser avesso a organização e desconfiar de tudo o que é diferente ou novo (ou então ficar embasbacado), mas tem um instinto de sobrevivência que só os menos civilizados possuem e sabe muito bem quem é o(a) Presidente de Câmara que lhe arranja as estradas, que leva os avós ao campo e os putos à praia e mesmo quando isso é feito de forma muito onerosa ou com desbaratamento dos meios, ele não se importa, porque imagina que “alguém há-de pagar”. Portanto sabe muito bem em quem é que vota e não confunde as coisas.
Qualquer extrapolação nacional dos resultados eleitorais é artificial e mesmo os chamados ciclos autárquicos são agregações das quais não se podem retirar grandes ilações.
O Partido Socialista perdeu estas eleições por várias razões e sobretudo na sequência da derrota de 2001. Porque não soube escolher bons candidatos e a prova disso é que muitos dos derrotados socialistas responsabilizaram o governo pela derrota, demonstrando que, de facto, eram péssimos candidatos.
Se isto é tão evidente, porque é que muitos dos comentadores políticos afirmaram o contrário?
Desde logo porque a rapidez da análise é, dado o timing dos media, mais importante que o seu conteúdo. Depois porque a maior parte dos comentadores não faz a mínima ideia do que é que se passa nos mais de 300 concelhos do País e de facto isso é irrelevante ou quase, para a análise nacional. É muito mais fácil e sobretudo mais rápido, dizer que o Governo levou um cartão amarelo, ou que foi penalizado, até porque quem olhar para o País pelo ecrán mágico pode ficar convencido que existe a chamada “contestação social”. Nos critérios dos meios de comunicação social (o tal poder sem sindicância) contestação social é tudo aquilo que faça barulho, ou proteste e fique bem na “fotografia”. Não interessa se a dita contestação não é generalizada, vertical e horizontalmente, se é produzida por uma única federação de corporações profissionais (o funcionalismo público, no qual me incluo, aliás) e se o resto do País, entre os milhões de trabalhadores de serviços (hipermercados, centros comerciais, serviços que funcionem 24 horas por dia) comércio e indústria não se veja contestação. A menos que eu esteja enganado e o conjunto de desempregados à porta de mais uma fábrica do Vale do Ave, enganados e sodomizados a preços abaixo do mercado possam ser metidos no mesmo “saco” de contestação social, o que seria obsceno.
Tenham juízo. E sobretudo vergonha.
Desde logo porque em termos pessoais e locais, as coisas correram exactamente como eu estava à espera (à excepção do resultado de um certo partido que se declarava vencedor e acabou por ficar em terceiro lugar) e não como outros esperavam. Os esgares de espanto e surpresa são efectivamente uma fonte de riso inesgotável.
O melhor estava reservado para o fim, ou como dizem alguns, para o rescaldo (a expressão faz-me lembrar comida requentada).
Os doutos comentadores mediáticos apresentaram uma explicação para a derrota do PS: um “cartão amarelo” ao Governo.
Esta explicação é ilógica, não estabelece nenhuma relação causa-efeito e carece de demonstração. Senão, vejamos.
Se o eleitorado tivesse querido mostrar o seu descontentamento perante a política do Governo, os maus resultados teriam sido generalizados. No Norte, no Sul e até no polylon. Ora, não foi isso que se verificou. A premissa que serve de base a esta conclusão afirma que “os maus resultados foram generalizados, excepto nos concelhos onde o valor pessoal dos candidatos minorou os danos”. Tenta-se estabelecer uma relação directa e necessária entre a apreciação do Governo e a tendência de voto local, mas não demonstrando, com factos, essa relação.
A autonomia das eleições e dos resultados locais fica demonstrada quando se verifica que por exemplo, o Partido Comunista obtém, no mesmo Concelho (por exemplo, no caso de Vila Franca de Xira), resultados completamente diferentes nas Eleições Autárquicas e nas Eleições Legislativas, o mesmo se passando com os outros Partidos do espectro político.
Pelos piores mas também pelos melhores motivos, as eleições locais são cada vez mais centradas no candidato e a sua filiação partidária é um factor secundário.
Achar que um adversário é pouco conhecido em termos nacionais, não só não diminui o visado, como também e sobretudo denota que o autor desta afirmação (o candidato do PSD à Câmara Municipal de Vila Franca de Xira), sendo um cientista político encartado, não percebe objectivamente nada de política.
A maior parte dos portugueses não sabe nem nunca ouviu falar de Maria Emília de Sousa (Já fez programas culinários na televisão? É aquela moça que apresenta os telejornais na SIC? Correu no Paris-Dakar? Apareceu na capa da FHM?), mas toda a gente a conhece em Almada, onde ganhou mais uma vez com maioria absoluta. E sistematicamente o PCP não ganha nas Eleições Legislativas naquele concelho. É preciso dizer mais alguma coisa?
O Portuga, esse animal pouco polido e tosco, pode não ter uma percepção sistemática da realidade, ser avesso a organização e desconfiar de tudo o que é diferente ou novo (ou então ficar embasbacado), mas tem um instinto de sobrevivência que só os menos civilizados possuem e sabe muito bem quem é o(a) Presidente de Câmara que lhe arranja as estradas, que leva os avós ao campo e os putos à praia e mesmo quando isso é feito de forma muito onerosa ou com desbaratamento dos meios, ele não se importa, porque imagina que “alguém há-de pagar”. Portanto sabe muito bem em quem é que vota e não confunde as coisas.
Qualquer extrapolação nacional dos resultados eleitorais é artificial e mesmo os chamados ciclos autárquicos são agregações das quais não se podem retirar grandes ilações.
O Partido Socialista perdeu estas eleições por várias razões e sobretudo na sequência da derrota de 2001. Porque não soube escolher bons candidatos e a prova disso é que muitos dos derrotados socialistas responsabilizaram o governo pela derrota, demonstrando que, de facto, eram péssimos candidatos.
Se isto é tão evidente, porque é que muitos dos comentadores políticos afirmaram o contrário?
Desde logo porque a rapidez da análise é, dado o timing dos media, mais importante que o seu conteúdo. Depois porque a maior parte dos comentadores não faz a mínima ideia do que é que se passa nos mais de 300 concelhos do País e de facto isso é irrelevante ou quase, para a análise nacional. É muito mais fácil e sobretudo mais rápido, dizer que o Governo levou um cartão amarelo, ou que foi penalizado, até porque quem olhar para o País pelo ecrán mágico pode ficar convencido que existe a chamada “contestação social”. Nos critérios dos meios de comunicação social (o tal poder sem sindicância) contestação social é tudo aquilo que faça barulho, ou proteste e fique bem na “fotografia”. Não interessa se a dita contestação não é generalizada, vertical e horizontalmente, se é produzida por uma única federação de corporações profissionais (o funcionalismo público, no qual me incluo, aliás) e se o resto do País, entre os milhões de trabalhadores de serviços (hipermercados, centros comerciais, serviços que funcionem 24 horas por dia) comércio e indústria não se veja contestação. A menos que eu esteja enganado e o conjunto de desempregados à porta de mais uma fábrica do Vale do Ave, enganados e sodomizados a preços abaixo do mercado possam ser metidos no mesmo “saco” de contestação social, o que seria obsceno.
Tenham juízo. E sobretudo vergonha.
9/14/2005
POWER RANGERS
A “inteligentsia” nacional tem um certo prazer cínico em comparar Portugal com outros países da União Europeia que como nós, já estiveram na dita cauda. Ciclicamente o país de comparação vai mudando, seja porque deixa definitivamente a extremidade da esfinge ou porque aparece um outro país que, na mente cartesiana de alguns, permite uma melhor comparação. Há 20 anos a comparação era feita com Espanha, ontem com a Irlanda, hoje com a Finlândia e amanhã com a Eslovénia.
Por exemplo, acentuamos, com aquele ar de desesperado e descrença tão típico, que tanto a Irlanda como a Finlândia investiram na educação e na formação profissional por um lado e nas indústrias tecnologicamente avançadas, por outro.
No entanto ninguém esclarece o que é que irlandeses e finlandeses não fizeram.
Enquanto que a Irlanda e a Finlândia gastam, respectivamente 1 e 2% do seu Orçamento em despesas militares, nós gastamos 5%, mas pasme-se, ou talvez não, temos umas Forças Armadas com equipamentos obsoletos. Em termos de P.I.B., nós gastamos 2,3%, enquanto que os irlandeses gastam 0,9% e os finlandeses 2% (www.nationmaster.com e CIA – The World Factbook).
Nem o facto de termos terminado o último conflito militar há pouco mais de 30 anos explica tudo, porque a Finlândia viveu anos e anos com a Mãe Rússia insinuando-se por cima do seu ombro e a Irlanda ainda vive com o problema do Ulster.
Pelo menos desde 1982 as Forças Armadas desempenham apenas o papel que lhes cabe num Estado Europeu e Democrático mas toda a gente continua a assobiar para o lado, quando confrontada com a diferença entre a utilidade para o País e o custo das Forças Armadas.
O mais absurdo é que esta situação, de forças militares sem equipamentos, de quartéis a degradarem-se e com elevados custos de manutenção, é indigna para o País e para os próprios militares.
As Forças Armadas Portuguesas devem ser constituídas por corpos capazes de resgatarem portugueses em casos de conflitos internos noutros países (pese embora o Tratado da União Europeia torne essa missão menos essencial), de protegerem em termos ambientais a costa e de participarem nas missões de paz da O.N.U.. Para isso não são necessários mais de 40.000 efectivos, mas um número muito menor, mas bem equipado e bem treinado.
Não me move nenhum preconceito anti-militarista nem proponho qualquer solução radical. Não basta dizer “Nem mais um homem (ou uma mulher) para as Forças Armadas!”. Por essa via, daqui a 30 anos os equipamentos mais necessários seriam cadeiras de rodas e canadianas.
É sempre difícil alterar uma oligarquia e muito mais ainda uma oligarquia militar e num País como Portugal, não só não é possível fazê-lo rapidamente, como não é desejável. A questão é que não se vê uma estratégia, não se percebe um caminho claro.
Não temos mais guerras, mas continuamos a brincar aos soldadinhos.
O problema é que a brincadeira não é sustentada pelo Pai Natal, mas pelos contribuintes.
Por exemplo, acentuamos, com aquele ar de desesperado e descrença tão típico, que tanto a Irlanda como a Finlândia investiram na educação e na formação profissional por um lado e nas indústrias tecnologicamente avançadas, por outro.
No entanto ninguém esclarece o que é que irlandeses e finlandeses não fizeram.
Enquanto que a Irlanda e a Finlândia gastam, respectivamente 1 e 2% do seu Orçamento em despesas militares, nós gastamos 5%, mas pasme-se, ou talvez não, temos umas Forças Armadas com equipamentos obsoletos. Em termos de P.I.B., nós gastamos 2,3%, enquanto que os irlandeses gastam 0,9% e os finlandeses 2% (www.nationmaster.com e CIA – The World Factbook).
Nem o facto de termos terminado o último conflito militar há pouco mais de 30 anos explica tudo, porque a Finlândia viveu anos e anos com a Mãe Rússia insinuando-se por cima do seu ombro e a Irlanda ainda vive com o problema do Ulster.
Pelo menos desde 1982 as Forças Armadas desempenham apenas o papel que lhes cabe num Estado Europeu e Democrático mas toda a gente continua a assobiar para o lado, quando confrontada com a diferença entre a utilidade para o País e o custo das Forças Armadas.
O mais absurdo é que esta situação, de forças militares sem equipamentos, de quartéis a degradarem-se e com elevados custos de manutenção, é indigna para o País e para os próprios militares.
As Forças Armadas Portuguesas devem ser constituídas por corpos capazes de resgatarem portugueses em casos de conflitos internos noutros países (pese embora o Tratado da União Europeia torne essa missão menos essencial), de protegerem em termos ambientais a costa e de participarem nas missões de paz da O.N.U.. Para isso não são necessários mais de 40.000 efectivos, mas um número muito menor, mas bem equipado e bem treinado.
Não me move nenhum preconceito anti-militarista nem proponho qualquer solução radical. Não basta dizer “Nem mais um homem (ou uma mulher) para as Forças Armadas!”. Por essa via, daqui a 30 anos os equipamentos mais necessários seriam cadeiras de rodas e canadianas.
É sempre difícil alterar uma oligarquia e muito mais ainda uma oligarquia militar e num País como Portugal, não só não é possível fazê-lo rapidamente, como não é desejável. A questão é que não se vê uma estratégia, não se percebe um caminho claro.
Não temos mais guerras, mas continuamos a brincar aos soldadinhos.
O problema é que a brincadeira não é sustentada pelo Pai Natal, mas pelos contribuintes.
9/01/2005
CARTA ABERTA
Ex.mo Senhor Director do S.I.S
Mesmo tendo em conta que a nossa participação na invasão do Iraque se limitou a um café nas ilhas e a um passeio no deserto com carripanas emprestadas e que nesse sentido os terroristas não olham para Lisboa como um alvo preferencial, sei que o serviço que V.Ex.a dirige está atento a todas as movimentações suspeitas no nosso país e até na ilha da Madeira e tendo eu uma fisionomia que nesta altura do ano, faz com que me confundam facilmente com um árabe, venho pela presente informar que não tenho qualquer simpatia por terroristas. Aliás, o único “terrorista” a quem me mantenho atento é ao Dr. Vasco Pulido Valente.
No caso de receber alguma denúncia anónima sobre as minhas pretensas actividades terroristas, deixe-me informá-lo desde já que certamente se trata de algum vizinho incomodado com a música que ouço, mas garanto-lhe que a senhora que debita lamentos não é árabe, chama-se Elizabeth Fraser, “bifa” dos sete costados, acompanhada por mais dois tipos que embora possam parecer bizarros, são tão britânicos como a Dona Liz. E se o som por vezes está um bocado alto é porque anos e anos de concertos me deixaram os tímpanos numa miséria.
Se tem neste momento sobre a sua mesa um minucioso relatório das minhas actividades quotidianas, informo-o que “o intenso cheiro a caril” aí referido se deve ao apreço que, desde uma relação amorosa passada, tenho por essa especiaria. Assim como a “pasta que o sujeito transporta constantemente” nada contém que seja susceptível de ser usado num ataque terrorista. Maços de tabaco, caixas de pastilhas, preservativos que nunca chego a usar, folhas com rabiscos que nunca chego a publicar, contas que me esqueço de pagar. É apenas um tique de suburbano pretensioso. “O barulho de objectos a caírem durante a noite” – sublinhado a negrito no relatório, é o resultado da actividade predadora da Okocha, felídeo que, incitada por mim, persegue tudo quando tenha asas e faça zum.
E como os abnegados servidores dessa prestigiada instituição certamente lhe transmitirão, os meus amigos são na sua maioria putos suburbanos como eu que cresceram a ouvir Xutos & Pontapés e a terem fantasias eróticas com as professoras (ou professores, conforme o género e o gosto) e que hoje em dia as únicas relações com estrangeiros que mantêm não passam para lá de Kiev, têm lugar em bares cheios de fumo e a conversa anda invariavelmente à volta de coisas bem mais mundanas que a derrota ideológica e civilizacional do Ocidente.
Certamente que o correcto e aprumado relatório fará referência à correspondência que recebo e aos sites que visito. Confesso que ao abrir as cartas da Portugal Telecom me sinto tentando a colocar uma bomba ou a disparar um rocket, mas tudo não passa de um devaneio momentâneo, Sr. Director, asseguro-lhe. Quanto à navegação on-line, facilmente me pode arrumar naquele conjunto de bons pais de família, que de click em click, ora procuram, com uma curiosidade quase infantil, averiguar a autenticidade de certos dotes físicos de vedetas do cinema e televisão, ora tentam desesperadamente engatar teenagers nas salas de chat.
Esperando ter contribuído para que a actividade desse serviço seja cada vez mais eficaz e eficiente e sem outro assunto de momento, queira V.Ex.a aceitar os meus melhores cumprimentos patrióticos.
Saudações securitárias
Mesmo tendo em conta que a nossa participação na invasão do Iraque se limitou a um café nas ilhas e a um passeio no deserto com carripanas emprestadas e que nesse sentido os terroristas não olham para Lisboa como um alvo preferencial, sei que o serviço que V.Ex.a dirige está atento a todas as movimentações suspeitas no nosso país e até na ilha da Madeira e tendo eu uma fisionomia que nesta altura do ano, faz com que me confundam facilmente com um árabe, venho pela presente informar que não tenho qualquer simpatia por terroristas. Aliás, o único “terrorista” a quem me mantenho atento é ao Dr. Vasco Pulido Valente.
No caso de receber alguma denúncia anónima sobre as minhas pretensas actividades terroristas, deixe-me informá-lo desde já que certamente se trata de algum vizinho incomodado com a música que ouço, mas garanto-lhe que a senhora que debita lamentos não é árabe, chama-se Elizabeth Fraser, “bifa” dos sete costados, acompanhada por mais dois tipos que embora possam parecer bizarros, são tão britânicos como a Dona Liz. E se o som por vezes está um bocado alto é porque anos e anos de concertos me deixaram os tímpanos numa miséria.
Se tem neste momento sobre a sua mesa um minucioso relatório das minhas actividades quotidianas, informo-o que “o intenso cheiro a caril” aí referido se deve ao apreço que, desde uma relação amorosa passada, tenho por essa especiaria. Assim como a “pasta que o sujeito transporta constantemente” nada contém que seja susceptível de ser usado num ataque terrorista. Maços de tabaco, caixas de pastilhas, preservativos que nunca chego a usar, folhas com rabiscos que nunca chego a publicar, contas que me esqueço de pagar. É apenas um tique de suburbano pretensioso. “O barulho de objectos a caírem durante a noite” – sublinhado a negrito no relatório, é o resultado da actividade predadora da Okocha, felídeo que, incitada por mim, persegue tudo quando tenha asas e faça zum.
E como os abnegados servidores dessa prestigiada instituição certamente lhe transmitirão, os meus amigos são na sua maioria putos suburbanos como eu que cresceram a ouvir Xutos & Pontapés e a terem fantasias eróticas com as professoras (ou professores, conforme o género e o gosto) e que hoje em dia as únicas relações com estrangeiros que mantêm não passam para lá de Kiev, têm lugar em bares cheios de fumo e a conversa anda invariavelmente à volta de coisas bem mais mundanas que a derrota ideológica e civilizacional do Ocidente.
Certamente que o correcto e aprumado relatório fará referência à correspondência que recebo e aos sites que visito. Confesso que ao abrir as cartas da Portugal Telecom me sinto tentando a colocar uma bomba ou a disparar um rocket, mas tudo não passa de um devaneio momentâneo, Sr. Director, asseguro-lhe. Quanto à navegação on-line, facilmente me pode arrumar naquele conjunto de bons pais de família, que de click em click, ora procuram, com uma curiosidade quase infantil, averiguar a autenticidade de certos dotes físicos de vedetas do cinema e televisão, ora tentam desesperadamente engatar teenagers nas salas de chat.
Esperando ter contribuído para que a actividade desse serviço seja cada vez mais eficaz e eficiente e sem outro assunto de momento, queira V.Ex.a aceitar os meus melhores cumprimentos patrióticos.
Saudações securitárias
8/18/2005
As primeiras impressões que temos sobre um determinado assunto, influenciam a nossa visão sobre esse mesmo assunto, se não de forma determinante, pelo menos de forma condicionante. Quando mais cedo, em termos de conhecimento, essa informação for adquirida, mais basilar se torna. Só assim se explica que muita gente continue a ter Marx como a referência. O mérito não é tanto do conteúdo, mas mais da precedência.
Felizmente que o meu primeiro contacto com a política e a sociedade foi feito através de José Vilhena. Com a vantagem de vir acompanhado de sugestivas ilustrações.
Felizmente que o meu primeiro contacto com a política e a sociedade foi feito através de José Vilhena. Com a vantagem de vir acompanhado de sugestivas ilustrações.
8/09/2005
THE SILLY SEASON CHRONICLES
Faaa, Tahiti, Polinésia Francesa, 28 de Julho de 2005
Caros Leitores,
Confesso que não tenho a mais pequena vontade de escrever esta crónica. Só o faço porque a Administração da empresa que controla O Triângulo cumpriu a sua parte no acordo (isto é, pagaram-me integralmente 20 dias de férias no Tahiti) e eu sinto-me obrigado a cumprir a minha (20/25 linhas quinzenalmente).
Demorei quase dois dias a perceber que a cara de espanto da jovem nativa que me serve derivava dos meus gestos apressados e bruscos. Da forma como ataco a comida, como inalo o fumo do cigarro, de como transformo o mais simples gesto num letal golpe de artes marciais. Lentamente habituei-me aos movimentos de gravidade zero, ao gnomo strauss que atrás da orelha me pede que abrande.
Nos primeiros dias senti uma náusea constante, que como me explicou o médico local, se devia à ausência de semáforos. “O seu cérebro sente a ausência do verde e do vermelho, a sua adrenalina dorme cândida sem a emoção do amarelo. Asemaforite.” Diagnosticou. “Vai ver que lhe passa.”
Ainda não estou completamente curado e sempre que vejo Herr Hans, um enorme alemão que invariavelmente se dirige ao restaurante, ponho-me ao seu lado e ultrapasso-o, sem conseguir evitar que o meu braço direito simule uma redução de caixa e que as minhas pernas acelerem, enquanto o cumprimento, com ar de sacana.
Desperto por partes, cinturão negro de preguiça, encaminho-me para o espelho, sorrindo, com a serenidade de quem não tem que se escanhoar.
Observo, com complacência, a minha pele a escurecer enquanto faço zapping entre uma nativa que invariavelmente sorri e um crustáceo que se rebola na areia, beberricando cocktails coloridos e light. Ao fim da tarde já não sei se a CREL é uma estrada que liga subúrbios de Lisboa ou uma das personagens do Dragon Ball. O meu pico de ponderação é a escolha da refeição nocturna, ao som de uma música que parece desvanecer-se para logo se voltar a agitar. Por essa altura a CREL, a CRIL, o POLIS ou o FEDER são-me completamente estranhos e quando me surgem no cérebro fico convencido que fui raptado por extraterrestres, que esses sons são resquícios do que ouvi a bordo da nave espacial.
Pego no lápis com a modorra de quem passa os dias na horizontal, gozando os dedos invisíveis de um vento cálido, tentando cumprir a minha parte do acordo, mas limito-me a fazer rabiscos sem sentido.
O Carlos Cardoso e o Alfredo Vieira que me desculpem. Quando voltar, comprometo-me a escrever dez crónicas de seguida, que hoje germinam num recanto inacessível do meu cérebro, mas para já deixem-me dormitar nesta praia onde o som quase indelével do mar não corrompe o silêncio das coisas.
Saudações Polinésias
Caros Leitores,
Confesso que não tenho a mais pequena vontade de escrever esta crónica. Só o faço porque a Administração da empresa que controla O Triângulo cumpriu a sua parte no acordo (isto é, pagaram-me integralmente 20 dias de férias no Tahiti) e eu sinto-me obrigado a cumprir a minha (20/25 linhas quinzenalmente).
Demorei quase dois dias a perceber que a cara de espanto da jovem nativa que me serve derivava dos meus gestos apressados e bruscos. Da forma como ataco a comida, como inalo o fumo do cigarro, de como transformo o mais simples gesto num letal golpe de artes marciais. Lentamente habituei-me aos movimentos de gravidade zero, ao gnomo strauss que atrás da orelha me pede que abrande.
Nos primeiros dias senti uma náusea constante, que como me explicou o médico local, se devia à ausência de semáforos. “O seu cérebro sente a ausência do verde e do vermelho, a sua adrenalina dorme cândida sem a emoção do amarelo. Asemaforite.” Diagnosticou. “Vai ver que lhe passa.”
Ainda não estou completamente curado e sempre que vejo Herr Hans, um enorme alemão que invariavelmente se dirige ao restaurante, ponho-me ao seu lado e ultrapasso-o, sem conseguir evitar que o meu braço direito simule uma redução de caixa e que as minhas pernas acelerem, enquanto o cumprimento, com ar de sacana.
Desperto por partes, cinturão negro de preguiça, encaminho-me para o espelho, sorrindo, com a serenidade de quem não tem que se escanhoar.
Observo, com complacência, a minha pele a escurecer enquanto faço zapping entre uma nativa que invariavelmente sorri e um crustáceo que se rebola na areia, beberricando cocktails coloridos e light. Ao fim da tarde já não sei se a CREL é uma estrada que liga subúrbios de Lisboa ou uma das personagens do Dragon Ball. O meu pico de ponderação é a escolha da refeição nocturna, ao som de uma música que parece desvanecer-se para logo se voltar a agitar. Por essa altura a CREL, a CRIL, o POLIS ou o FEDER são-me completamente estranhos e quando me surgem no cérebro fico convencido que fui raptado por extraterrestres, que esses sons são resquícios do que ouvi a bordo da nave espacial.
Pego no lápis com a modorra de quem passa os dias na horizontal, gozando os dedos invisíveis de um vento cálido, tentando cumprir a minha parte do acordo, mas limito-me a fazer rabiscos sem sentido.
O Carlos Cardoso e o Alfredo Vieira que me desculpem. Quando voltar, comprometo-me a escrever dez crónicas de seguida, que hoje germinam num recanto inacessível do meu cérebro, mas para já deixem-me dormitar nesta praia onde o som quase indelével do mar não corrompe o silêncio das coisas.
Saudações Polinésias
5/23/2005
5/06/2005
5/03/2005
5/02/2005
PORTUGAL: QUE FUTURO?
Não é preciso ser economista para responder a esta pergunta. O bom senso aconselha aliás que não se seja economista para responder a esta pergunta. O cidadão comum tem um conjunto de ideias mal alinhavadas sobre a realidade e não repara na incongruência das suas próprias ideias, nem sequer as tenta conjugar. O economista, pelo contrário, está preso a uma estrita racionalidade. Se for intelectualmente sério não conseguirá responder a esta pergunta. E nós não queremos estabelecer uma ponte aérea entre as escolas de economia e o Miguel Bombarda.
Depois do “orgulhosamente sós”, passámos a acreditar na tese do desenvolvimento. Reza assim: nós somos mais atrasados que a Suécia, que a Noruega ou mesmo que a Espanha, mas isso não é uma fatalidade. Para lá chegarmos só temos que trabalhar mais e melhor, ser mais competitivos. E lançam-se exemplos: a Irlanda, a Finlândia e não tarda nada a Estónia. Existem tipos, profissionalmente licenciados para tal, que estudam com minúcia de filigrana os exemplos citados e que decretam: temos que fazer assim ou assado, investir nisto e naquilo. Cometem um erro de base e que torna inútil toda a sua dedicação ao estudo desses exemplos. Uma chita será sempre mais rápida do que um boi, por muito peso que o boi perca, por muito aerodinâmico que se torne. Isto não significa que o boi seja inútil. Pelo menos marra melhor.
Isto é, não serve para nada estudar e conhecer minuciosamente a Irlanda ou a Finlândia, porque nós não somos finlandeses nem nunca vamos ser. Vamos ser aquilo que sempre fomos: bois mansarrões.
E no dia em que nós nos tornarmos bois-chita, já a chita ganhou um motor turbocomprimido. No dia em que chegarmos ao nível de desenvolvimento da Noruega, já os Noruegueses chegaram a outro nível. Quando chegarmos à lua, já a Suécia estará em Neptuno.
Ora, do que é que nós gostamos? Gostamos por exemplo, de bater recordes. O maior croquete, o maior pão, a maior taxa de alcoolemia, o maior bigode, etc.. Isto é, em termos de mercado, um produto vendável. Já estou a imaginar hordas de reformados holandeses e alemães a visitarem Barcelos para assistirem à construção do maior galo do Mundo feito com paus de fósforo, para de um palanque na Marginal de Cascais, cumprindo todas as normas de segurança europeias, assistirem, com esgares de espanto, ao fittipaldi que há em todos nós, para presenciarem, incrédulos, de iogurte light nas pouchettes, o XIV Concurso de Comedores de Cozido à Portuguesa.
Só precisamos de estabelecer um mínimo de organização e de método, o que desde que corremos com os judeus se tornou um problema. Mas basta irmos a uma dessas obras públicas que não servem para nada e contratarmos dois ou três ucranianos.
Nós não percebemos absolutamente nada de componentes electrónicos, software ou produção em massa. Não temos qualquer tradição industrial. Os últimos 50 anos foram uma violentação do nosso espírito campestre e rural. A “industrialização” do País criou operários medíocres e contrariados. Nós não somos verdadeiramente bons em quase nada. Somos bons a produzir vinho, chouriços, petiscos e rolhas, que servem para pôr nas garrafas de vinho. Nunca vamos ser competitivos em matérias que não conhecemos e sobre as quais levamos um atraso de décadas.
Por isso, mais vale aceitarmos a nossa natureza e tentarmos melhorá-la, sem a desvirtuarmos.
E fazermos o favor de ser felizes.
Depois do “orgulhosamente sós”, passámos a acreditar na tese do desenvolvimento. Reza assim: nós somos mais atrasados que a Suécia, que a Noruega ou mesmo que a Espanha, mas isso não é uma fatalidade. Para lá chegarmos só temos que trabalhar mais e melhor, ser mais competitivos. E lançam-se exemplos: a Irlanda, a Finlândia e não tarda nada a Estónia. Existem tipos, profissionalmente licenciados para tal, que estudam com minúcia de filigrana os exemplos citados e que decretam: temos que fazer assim ou assado, investir nisto e naquilo. Cometem um erro de base e que torna inútil toda a sua dedicação ao estudo desses exemplos. Uma chita será sempre mais rápida do que um boi, por muito peso que o boi perca, por muito aerodinâmico que se torne. Isto não significa que o boi seja inútil. Pelo menos marra melhor.
Isto é, não serve para nada estudar e conhecer minuciosamente a Irlanda ou a Finlândia, porque nós não somos finlandeses nem nunca vamos ser. Vamos ser aquilo que sempre fomos: bois mansarrões.
E no dia em que nós nos tornarmos bois-chita, já a chita ganhou um motor turbocomprimido. No dia em que chegarmos ao nível de desenvolvimento da Noruega, já os Noruegueses chegaram a outro nível. Quando chegarmos à lua, já a Suécia estará em Neptuno.
Ora, do que é que nós gostamos? Gostamos por exemplo, de bater recordes. O maior croquete, o maior pão, a maior taxa de alcoolemia, o maior bigode, etc.. Isto é, em termos de mercado, um produto vendável. Já estou a imaginar hordas de reformados holandeses e alemães a visitarem Barcelos para assistirem à construção do maior galo do Mundo feito com paus de fósforo, para de um palanque na Marginal de Cascais, cumprindo todas as normas de segurança europeias, assistirem, com esgares de espanto, ao fittipaldi que há em todos nós, para presenciarem, incrédulos, de iogurte light nas pouchettes, o XIV Concurso de Comedores de Cozido à Portuguesa.
Só precisamos de estabelecer um mínimo de organização e de método, o que desde que corremos com os judeus se tornou um problema. Mas basta irmos a uma dessas obras públicas que não servem para nada e contratarmos dois ou três ucranianos.
Nós não percebemos absolutamente nada de componentes electrónicos, software ou produção em massa. Não temos qualquer tradição industrial. Os últimos 50 anos foram uma violentação do nosso espírito campestre e rural. A “industrialização” do País criou operários medíocres e contrariados. Nós não somos verdadeiramente bons em quase nada. Somos bons a produzir vinho, chouriços, petiscos e rolhas, que servem para pôr nas garrafas de vinho. Nunca vamos ser competitivos em matérias que não conhecemos e sobre as quais levamos um atraso de décadas.
Por isso, mais vale aceitarmos a nossa natureza e tentarmos melhorá-la, sem a desvirtuarmos.
E fazermos o favor de ser felizes.
O FLÁVIO E A TÂNIA
Venho hoje falar-vos do Flávio e da Tânia, que podiam ser meus vizinhos. Bem, meus vizinhos exactamente não, porque vivo num prédio que se afasta dos cânones “modernos”. O soalho não é flutuante, não tenho lareira nem jacuzzi.
O Flávio e a Tânia casaram-se há pouco tempo. Conhecem-se desde o liceu. O Flávio era um razoável jogador de bola, mas o insuficiente para fazer disso carreira. A Tânia sonhava em ser psicóloga desde a adolescência e o porquê dessa aspiração era precisamente uma das razões para tirar o curso. O Flávio fez meia dúzia de disciplinas do 10º ano enquanto a Tânia conseguiu tirar o seu curso de psicologia.
O Flávio, perante a impossibilidade de ser jogador de bola, viu-se na iminência de ir trabalhar para a fábrica do Sr. Gonçalves, amigo do pai. Começou por embalar shampoos, mas talvez porque é o que se chama um tipo vivaço ou porque ainda não estava narcotizado pelo cheiro dos detergentes, foi ganhando a confiança do Sr. Gonçalves, entre felicitações pelos golos que deixavam o patrão marcar, nas peladinhas de sábado de manhã, incursões devidamente projectadas ao escritório e “serões” nos dias em que o tipo também ficava. À borla, claro. O Flávio é hoje o responsável pela distribuição dos shampoos, tem um carrinho que lhe foi dado pela empresa e o fato e a gravata, assentam-lhe, apesar de tudo, razoavelmente bem.
A Tânia perdeu todas as ilusões sobre psicologia no 2º ano. Conseguiu arranjar um trabalho de secretária na empresa da mãe, onde com pânico dificilmente contido percebeu toda a sua ignorância, nos primeiros dias de trabalho. Miúda inteligente, compreendeu com a necessária rapidez que a sua progressão na carreira dependia mais do ciclo menstrual da Gaby (a sua cabeleireira, manicure e omnicure de sempre) que de quaisquer manuais de gestão de empresas. Habituou-se ao papel de bibelot eventualmente eficiente e ao suor frio dos clientes confrontados de chofre com a sua depilação exemplar.
Estão na fase do suporta-se razoavelmente. A Tânia suporta razoavelmente a limitação intelectual do Flávio, passado que foi o tempo do encanto com o “Bom Selvagem” e as suas explosões de testosterona às 5 da manhã na 24 de Julho. O Flávio suporta razoavelmente o ar presunçoso da Tânia, passado que foi o tempo da “miúda com estilo”. Hoje o estilo destila-se em zonas onde não se devia destilar.
Têm tudo o que um casal jovem precisa: o jipe, o televisor com o nome acabado em tron, já foram a Porto Galinhas e à República Dominicana, mudam de casa de 3 em 3 anos; Substituíram a avidez dos seus pais por batedoras e fornos eléctricos pela compra desaustinada de hi-fi e jacuzzis, seguindo assim o lento trajecto das aspirações da classe média: da cozinha para a sala e desta para a casa-de-banho.
O mundo começou para eles com o D’Artacão e com o País a caminho do progresso do Prof. Cavaco. Acreditaram piamente nisso, no Natal, no carro novo do pai, nos hipermercados, nos computadores, na Expo. Sentiram-se maravilhosamente com as teorias pedagógicas que tornaram a sua adolescência fresca e carefree. Não ligam a política mas gostam de tipos decididos e com “ideias”. Gostam da democracia liberal no Colombo mas não se importavam com um Estado autoritário sempre que ficam presos na A1. Não compreendem como é que “não se fazem as coisas” quando eles pagam “os impostos”.
Quando o Sr. Pinto Magalhães morrer, o seu filho vai provavelmente vender “o escritório” e a Tânia sente-se preocupada, ponderando, entre dois ferrero rocher, sobre o que é que vai fazer a seguir. O Flávio, mais ignorante e despreocupado, sonha em montar uma loja de tunning, mas está convencido que a “Gonçalves & Ramos” vai durar por muitos e bons anos e que ele vai chegar a braço-direito do Gonçalves, até porque o Gonçalves “tem muito dinheiro”.
Como nunca conheceram outro, acham que este seu mundo é eterno, que em momentos de crise podem não conseguir mudar de carro de 3 em 3 anos, que se calhar vão ter que ficar na mesma casa mais do que 5.
Nunca ninguém lhes explicou que há apenas 40 anos a classe média portuguesa a que pertencem era proporcionalmente menor e que nada prova que a subida de qualidade de vida seja estrutural, pelo contrário, parece ter pequenos pezinhos de barro e que portanto, pode esboroar-se; nunca ninguém lhes explicou que não existem mundos com benefícios e sem custos. No dia em que o Flávio e a Tânia não conseguirem trocar de carro de 3 em 3 anos, nem sequer de 5 em 5, o mundo escurece, o Colombo vai tornar-se odioso e o D’Artacão vai parecer um boneco irritante. Mas é só o princípio.
O Flávio e a Tânia casaram-se há pouco tempo. Conhecem-se desde o liceu. O Flávio era um razoável jogador de bola, mas o insuficiente para fazer disso carreira. A Tânia sonhava em ser psicóloga desde a adolescência e o porquê dessa aspiração era precisamente uma das razões para tirar o curso. O Flávio fez meia dúzia de disciplinas do 10º ano enquanto a Tânia conseguiu tirar o seu curso de psicologia.
O Flávio, perante a impossibilidade de ser jogador de bola, viu-se na iminência de ir trabalhar para a fábrica do Sr. Gonçalves, amigo do pai. Começou por embalar shampoos, mas talvez porque é o que se chama um tipo vivaço ou porque ainda não estava narcotizado pelo cheiro dos detergentes, foi ganhando a confiança do Sr. Gonçalves, entre felicitações pelos golos que deixavam o patrão marcar, nas peladinhas de sábado de manhã, incursões devidamente projectadas ao escritório e “serões” nos dias em que o tipo também ficava. À borla, claro. O Flávio é hoje o responsável pela distribuição dos shampoos, tem um carrinho que lhe foi dado pela empresa e o fato e a gravata, assentam-lhe, apesar de tudo, razoavelmente bem.
A Tânia perdeu todas as ilusões sobre psicologia no 2º ano. Conseguiu arranjar um trabalho de secretária na empresa da mãe, onde com pânico dificilmente contido percebeu toda a sua ignorância, nos primeiros dias de trabalho. Miúda inteligente, compreendeu com a necessária rapidez que a sua progressão na carreira dependia mais do ciclo menstrual da Gaby (a sua cabeleireira, manicure e omnicure de sempre) que de quaisquer manuais de gestão de empresas. Habituou-se ao papel de bibelot eventualmente eficiente e ao suor frio dos clientes confrontados de chofre com a sua depilação exemplar.
Estão na fase do suporta-se razoavelmente. A Tânia suporta razoavelmente a limitação intelectual do Flávio, passado que foi o tempo do encanto com o “Bom Selvagem” e as suas explosões de testosterona às 5 da manhã na 24 de Julho. O Flávio suporta razoavelmente o ar presunçoso da Tânia, passado que foi o tempo da “miúda com estilo”. Hoje o estilo destila-se em zonas onde não se devia destilar.
Têm tudo o que um casal jovem precisa: o jipe, o televisor com o nome acabado em tron, já foram a Porto Galinhas e à República Dominicana, mudam de casa de 3 em 3 anos; Substituíram a avidez dos seus pais por batedoras e fornos eléctricos pela compra desaustinada de hi-fi e jacuzzis, seguindo assim o lento trajecto das aspirações da classe média: da cozinha para a sala e desta para a casa-de-banho.
O mundo começou para eles com o D’Artacão e com o País a caminho do progresso do Prof. Cavaco. Acreditaram piamente nisso, no Natal, no carro novo do pai, nos hipermercados, nos computadores, na Expo. Sentiram-se maravilhosamente com as teorias pedagógicas que tornaram a sua adolescência fresca e carefree. Não ligam a política mas gostam de tipos decididos e com “ideias”. Gostam da democracia liberal no Colombo mas não se importavam com um Estado autoritário sempre que ficam presos na A1. Não compreendem como é que “não se fazem as coisas” quando eles pagam “os impostos”.
Quando o Sr. Pinto Magalhães morrer, o seu filho vai provavelmente vender “o escritório” e a Tânia sente-se preocupada, ponderando, entre dois ferrero rocher, sobre o que é que vai fazer a seguir. O Flávio, mais ignorante e despreocupado, sonha em montar uma loja de tunning, mas está convencido que a “Gonçalves & Ramos” vai durar por muitos e bons anos e que ele vai chegar a braço-direito do Gonçalves, até porque o Gonçalves “tem muito dinheiro”.
Como nunca conheceram outro, acham que este seu mundo é eterno, que em momentos de crise podem não conseguir mudar de carro de 3 em 3 anos, que se calhar vão ter que ficar na mesma casa mais do que 5.
Nunca ninguém lhes explicou que há apenas 40 anos a classe média portuguesa a que pertencem era proporcionalmente menor e que nada prova que a subida de qualidade de vida seja estrutural, pelo contrário, parece ter pequenos pezinhos de barro e que portanto, pode esboroar-se; nunca ninguém lhes explicou que não existem mundos com benefícios e sem custos. No dia em que o Flávio e a Tânia não conseguirem trocar de carro de 3 em 3 anos, nem sequer de 5 em 5, o mundo escurece, o Colombo vai tornar-se odioso e o D’Artacão vai parecer um boneco irritante. Mas é só o princípio.
PARA ACABAR DE VEZ COM O PATRIOTISMO
Uma das ideias mais veiculadas sobre os portugueses é a do seu pretenso patriotismo. Diz-se “Nós somos patriotas” e a suposta solenidade do conteúdo dispensa fundamentação.
Sinceramente não encontro qualquer justificação que sustente esta verdade. Não acho que isso seja necessariamente bom ou mau. Há muito que ultrapassei a velha dogmática tanto da esquerda como da direita. Em abono da verdade, sendo assumidamente de esquerda, nunca me reconheci por completo no catálogo obrigatório dos valores de esquerda. Por isso não acho que o patriotismo seja um valor de esquerda ou de direita.
Agora que nós não somos patriotas é óbvio. Cândidos, assistimos ao désir de retourner des nos emmigrants, como se isso fosse uma manifestação de patriotismo. Não é. O que os emigrantes desejam é voltar para a sua terrinha e construir une belle maison. Não conhecem Portugal. São emigrantes. Saíram directamente da sua aldeola para os subúrbios de Paris. O tipo que mais defendeu a nossa cultura (se quiserem preservou a nossa memória colectiva e a nossa maneira de ser) é filho da Arménia (e não estou a falar de uma velha irritante e desconfiada que ciclicamente me chateia). O nosso patriotismo eclipsa-se à entrada do hipermercado ou de escritórios madrilenos. Esgota-se em lamentos sobre a agricultura portuguesa, à hora do telejornal, enquanto deglutimos umas semillas de nuestros hermanos, ou em compromissos de meia dúzia de incultos engravatados que na sua maior parte cresceram à custa de mercados protegidos ou de uma procura patológica. Não vejo nenhum mal intrínseco em comermos batatas espanholas ou em vendermos fábricas a grandes multinacionais. O que não podemos é gritar pátria de manhã e dizer muchas gracías à tarde.
De facto, nós não somos nada patriotas, também porque temos incutido nos genes essa característica do subdesenvolvimento que é a de copiar todo o que nos “cheira” a evoluído, moderno ou civilizado.
Sinceramente não encontro qualquer justificação que sustente esta verdade. Não acho que isso seja necessariamente bom ou mau. Há muito que ultrapassei a velha dogmática tanto da esquerda como da direita. Em abono da verdade, sendo assumidamente de esquerda, nunca me reconheci por completo no catálogo obrigatório dos valores de esquerda. Por isso não acho que o patriotismo seja um valor de esquerda ou de direita.
Agora que nós não somos patriotas é óbvio. Cândidos, assistimos ao désir de retourner des nos emmigrants, como se isso fosse uma manifestação de patriotismo. Não é. O que os emigrantes desejam é voltar para a sua terrinha e construir une belle maison. Não conhecem Portugal. São emigrantes. Saíram directamente da sua aldeola para os subúrbios de Paris. O tipo que mais defendeu a nossa cultura (se quiserem preservou a nossa memória colectiva e a nossa maneira de ser) é filho da Arménia (e não estou a falar de uma velha irritante e desconfiada que ciclicamente me chateia). O nosso patriotismo eclipsa-se à entrada do hipermercado ou de escritórios madrilenos. Esgota-se em lamentos sobre a agricultura portuguesa, à hora do telejornal, enquanto deglutimos umas semillas de nuestros hermanos, ou em compromissos de meia dúzia de incultos engravatados que na sua maior parte cresceram à custa de mercados protegidos ou de uma procura patológica. Não vejo nenhum mal intrínseco em comermos batatas espanholas ou em vendermos fábricas a grandes multinacionais. O que não podemos é gritar pátria de manhã e dizer muchas gracías à tarde.
De facto, nós não somos nada patriotas, também porque temos incutido nos genes essa característica do subdesenvolvimento que é a de copiar todo o que nos “cheira” a evoluído, moderno ou civilizado.
REGIONALIZAÇÃO
Quando se aborda o tema da Regionalização, é possível agregar as posições em quatro grupos. Os que são contra a ideia e a prática, os que são a favor da ideia mas contra a prática, os que são a favor da ideia e da prática em determinadas condições e aqueles que são favoráveis à ideia e à prática a qualquer preço.
Encontro-me no grupo dos que são a favor da ideia e da prática, desde que estabelecidos certos pressupostos. Ao contrário do que uma análise apressada faria concluir, julgo que é entre este grupo e aquele que suportando a ideia se opõe à prática que devem ser encontrados os consensos necessários para que se avance na matéria. Sobre os que são contra a ideia e a prática não há muito a dizer, porque a sua argumentação é construída sobre pressupostos que roçam o ridículo: a “integridade” do território, a ameaça castelhana, etc.. No campo oposto, o grupo dos que defendem a regionalização a qualquer preço, é, pelos seus próprios arautos, o retrato do pior que nós temos: caciques locais, gente que vive da lógica do “sacar o mais possível a Lisboa”, como se Lisboa tivesse uma árvore das patacas, suportada pela ignorância que mais do que qualquer indicador macroeconómico, caracteriza o nosso subdesenvolvimento.
Defendo a regionalização não como “uma legítima aspiração autonómica” deste ou daquele sítio, mas sim porque é um imperativo para a correcta gestão do território. Nem encontro nenhum fundamento histórico relevante que sustente a regionalização.
Vejamos os contra-argumentos:
a) A unidade do País. O País é uno mas não é uniforme. Qualquer pessoa percebe que a Amadora é muito diferente de Avis, que Faro é diferente de Vila Real. O país é uno mas não é uniforme. Ora, para realidades diferentes, devem executar-se medidas diferentes.
b) A solidariedade. Este argumento defende que a regionalização iria pôr em causa a solidariedade das regiões mais ricas para com as mais pobres. Primeiro, não se percebe o alcance da solidariedade do sistema actual, já que cada vez é maior a diferença entre litoral e interior e entre o urbano e o rural. Segundo, a solidariedade não deve ser um acto de caridade, mas um contributo legalmente quantificado.
c) O crescimento do Estado. Alguns advogam que a criação das estruturas funcionais das regiões iriam aumentar o peso do Estado e o número de funcionários públicos. Ninguém sabe quantas pessoas trabalham na função pública, mas basta reparar nas direcções regionais que existem e deixariam de existir para que este argumento se esfume.
d) O caciquismo. Entendem os “especialistas” na matéria que em vez de aturarmos caciques locais, iríamos passar a aturar caciques regionais. Este é um argumento profundamente cínico. É verdade que em Portugal, os políticos saídos do 25 de Abril estruturam a sua acção na convicção de que a decisão política é livre. É isenta, mas não é livre, no sentido em que deve respeitar a lei, no sentido que um mandato não dá ao seu possuidor a possibilidade de fazer o que bem entende, sem prestar contas a ninguém. Mas o exercício do poder político tem, além do limite da lei, o limite do bom senso. E ao contrário do que se afirma, este é sindicável. Porque em democracia é possível avaliar todos os actos que configurem o seu exercício. Mas ninguém o faz. E ninguém diz, mas toda a gente receia que uma regionalização torne o País num imenso jardim, que lentamente se transformaria em pântano, tomando como exemplo o jardim insular.
Em democracia a liberdade de circulação e de estabelecimento deve corresponder a instrumentos de gestão do território adaptados a essa realidade e não a conceitos feudais.
Como é que se pode gerir um país em que ao Governo central, estratega e planeador, sucede, na pirâmide do Estado, uma autarquia municipal. É possível construir uma estrada em cada concelho, sem ligação à estrada do outro concelho? Como é que é possível gerir um país em que as pessoas circulam livremente mas onde os instrumentos e os poderes públicos não seguem essa circulação, mas regem-se por um mapa do sec.XIX?
Entendo pois que a Regionalização é um instrumento indispensável para o desenvolvimento do país, com regras e com limites. A Reforma político-administrativa passa também por aí. Por um círculo nacional nas Eleições para o Parlamento, por Regiões capazes e legitimadas pelo voto e por uma reorganização das autarquias (Concelhos e Freguesias).
Encontro-me no grupo dos que são a favor da ideia e da prática, desde que estabelecidos certos pressupostos. Ao contrário do que uma análise apressada faria concluir, julgo que é entre este grupo e aquele que suportando a ideia se opõe à prática que devem ser encontrados os consensos necessários para que se avance na matéria. Sobre os que são contra a ideia e a prática não há muito a dizer, porque a sua argumentação é construída sobre pressupostos que roçam o ridículo: a “integridade” do território, a ameaça castelhana, etc.. No campo oposto, o grupo dos que defendem a regionalização a qualquer preço, é, pelos seus próprios arautos, o retrato do pior que nós temos: caciques locais, gente que vive da lógica do “sacar o mais possível a Lisboa”, como se Lisboa tivesse uma árvore das patacas, suportada pela ignorância que mais do que qualquer indicador macroeconómico, caracteriza o nosso subdesenvolvimento.
Defendo a regionalização não como “uma legítima aspiração autonómica” deste ou daquele sítio, mas sim porque é um imperativo para a correcta gestão do território. Nem encontro nenhum fundamento histórico relevante que sustente a regionalização.
Vejamos os contra-argumentos:
a) A unidade do País. O País é uno mas não é uniforme. Qualquer pessoa percebe que a Amadora é muito diferente de Avis, que Faro é diferente de Vila Real. O país é uno mas não é uniforme. Ora, para realidades diferentes, devem executar-se medidas diferentes.
b) A solidariedade. Este argumento defende que a regionalização iria pôr em causa a solidariedade das regiões mais ricas para com as mais pobres. Primeiro, não se percebe o alcance da solidariedade do sistema actual, já que cada vez é maior a diferença entre litoral e interior e entre o urbano e o rural. Segundo, a solidariedade não deve ser um acto de caridade, mas um contributo legalmente quantificado.
c) O crescimento do Estado. Alguns advogam que a criação das estruturas funcionais das regiões iriam aumentar o peso do Estado e o número de funcionários públicos. Ninguém sabe quantas pessoas trabalham na função pública, mas basta reparar nas direcções regionais que existem e deixariam de existir para que este argumento se esfume.
d) O caciquismo. Entendem os “especialistas” na matéria que em vez de aturarmos caciques locais, iríamos passar a aturar caciques regionais. Este é um argumento profundamente cínico. É verdade que em Portugal, os políticos saídos do 25 de Abril estruturam a sua acção na convicção de que a decisão política é livre. É isenta, mas não é livre, no sentido em que deve respeitar a lei, no sentido que um mandato não dá ao seu possuidor a possibilidade de fazer o que bem entende, sem prestar contas a ninguém. Mas o exercício do poder político tem, além do limite da lei, o limite do bom senso. E ao contrário do que se afirma, este é sindicável. Porque em democracia é possível avaliar todos os actos que configurem o seu exercício. Mas ninguém o faz. E ninguém diz, mas toda a gente receia que uma regionalização torne o País num imenso jardim, que lentamente se transformaria em pântano, tomando como exemplo o jardim insular.
Em democracia a liberdade de circulação e de estabelecimento deve corresponder a instrumentos de gestão do território adaptados a essa realidade e não a conceitos feudais.
Como é que se pode gerir um país em que ao Governo central, estratega e planeador, sucede, na pirâmide do Estado, uma autarquia municipal. É possível construir uma estrada em cada concelho, sem ligação à estrada do outro concelho? Como é que é possível gerir um país em que as pessoas circulam livremente mas onde os instrumentos e os poderes públicos não seguem essa circulação, mas regem-se por um mapa do sec.XIX?
Entendo pois que a Regionalização é um instrumento indispensável para o desenvolvimento do país, com regras e com limites. A Reforma político-administrativa passa também por aí. Por um círculo nacional nas Eleições para o Parlamento, por Regiões capazes e legitimadas pelo voto e por uma reorganização das autarquias (Concelhos e Freguesias).
EUROPA
A ideia de uma União Europeia começou por ser uma das mais elevadas aspirações que algum dia uma civilização teve, se pensarmos que a História da Europa é também uma história de conflito, de domínio de uns sobre os outros. Numa posição equidistante do fundamentalismo que apaga o mau e releva o bom e do relativismo sem valores, julgo poder dizer que a Europa é a maior referência civilizacional da Humanidade. Continuo convicto que o Estado Social de Direito é o melhor patamar que alguma vez atingimos.
A Comunidade Europeia pretendeu ser uma garantia de segurança e prosperidade, mas a ideia de união dos povos esteve sempre subjacente e graças a uma geração de políticos que conheceu o período anterior à sua formação e o pode assim comparar ao período de prosperidade económica e social consequente, procurou de uma forma perseverante, ir construindo a União Europeia, na convicção de que os povos que a compõem tem uma matriz cultural que resultou precisamente no Estado Social de Direito e nos valores da democracia liberal.
Naturalmente os líderes foram-se sucedendo e aqueles que hoje decidem não têm termo de comparação, porque são filhos do Estado Social e não pais. Por detrás de uma comunicação elaborada está quase sempre uma ideia básica: nós queremos continuar e melhorar o nosso nível de vida. Não há uma referência ao estilo de vida, no sentido de querermos continuar a matriz europeia de civilização, porque o que conta basicamente é o número de bens que posso adquirir. E deste desejo nasce naturalmente a ideia de que temos que ser competitivos, leia-se, que temos a todo o custo que manter o nível de vida. Nunca se tendo vivido em situações em que o nosso estilo de vida é posto em causa (como o fez a II Guerra Mundial) não se lhe dá valor nem se percebe que o nível de vida pode variar, mas que o estilo que nos caracteriza deve ser mantido a todo o custo. Mesmo quando os princípios que regem o nosso estilo de vida signifiquem que o nível de vida pode baixar, em nome daquilo que nos sustenta enquanto civilização.
Estes novos líderes não olham para os mapas como uma consequência da história, mas como uma oportunidade de manter o tal nível de vida, mesmo que isso signifique sacrificar os princípios, dos quais usufruem, mas que não conhecem verdadeiramente, nem nunca viveram na sua ausência.
A Comunidade Europeia criou uma estrutura burocrática que intima e afinal os próprios cidadãos são também filhos do Estado Social de Direito, que querem sobretudo manter o seu nível de vida. Como já tenho afirmado, os políticos não nascem das árvores, brotam da sociedade e são o seu espelho.
É essa sociedade, essa Europa que vai ter que decidir se quer manter, pelo menos no curto prazo, o seu nível de vida e então vai alargar-se para os rios que ainda não secaram, por mais estranhos que sejam, ou vai ter a coragem de arriscar a manutenção da sua civilização, mesmo que para isso implique sacrifício e perseverança.
A Comunidade Europeia pretendeu ser uma garantia de segurança e prosperidade, mas a ideia de união dos povos esteve sempre subjacente e graças a uma geração de políticos que conheceu o período anterior à sua formação e o pode assim comparar ao período de prosperidade económica e social consequente, procurou de uma forma perseverante, ir construindo a União Europeia, na convicção de que os povos que a compõem tem uma matriz cultural que resultou precisamente no Estado Social de Direito e nos valores da democracia liberal.
Naturalmente os líderes foram-se sucedendo e aqueles que hoje decidem não têm termo de comparação, porque são filhos do Estado Social e não pais. Por detrás de uma comunicação elaborada está quase sempre uma ideia básica: nós queremos continuar e melhorar o nosso nível de vida. Não há uma referência ao estilo de vida, no sentido de querermos continuar a matriz europeia de civilização, porque o que conta basicamente é o número de bens que posso adquirir. E deste desejo nasce naturalmente a ideia de que temos que ser competitivos, leia-se, que temos a todo o custo que manter o nível de vida. Nunca se tendo vivido em situações em que o nosso estilo de vida é posto em causa (como o fez a II Guerra Mundial) não se lhe dá valor nem se percebe que o nível de vida pode variar, mas que o estilo que nos caracteriza deve ser mantido a todo o custo. Mesmo quando os princípios que regem o nosso estilo de vida signifiquem que o nível de vida pode baixar, em nome daquilo que nos sustenta enquanto civilização.
Estes novos líderes não olham para os mapas como uma consequência da história, mas como uma oportunidade de manter o tal nível de vida, mesmo que isso signifique sacrificar os princípios, dos quais usufruem, mas que não conhecem verdadeiramente, nem nunca viveram na sua ausência.
A Comunidade Europeia criou uma estrutura burocrática que intima e afinal os próprios cidadãos são também filhos do Estado Social de Direito, que querem sobretudo manter o seu nível de vida. Como já tenho afirmado, os políticos não nascem das árvores, brotam da sociedade e são o seu espelho.
É essa sociedade, essa Europa que vai ter que decidir se quer manter, pelo menos no curto prazo, o seu nível de vida e então vai alargar-se para os rios que ainda não secaram, por mais estranhos que sejam, ou vai ter a coragem de arriscar a manutenção da sua civilização, mesmo que para isso implique sacrifício e perseverança.
AS QUOTAS
Quando era puto meteram-me na cabeça algumas ideias que verifico serem hoje completamente erradas. Por exemplo, explicaram-me que em democracia devemos escolher os nossos representantes tendo como critério a sua competência e as suas ideias políticas e não pelo facto de serem pretos ou brancos, gordos ou magros, altos ou baixos, homens ou mulheres. Nada mais errado! A democracia contemporânea determina que se leve este conceito ao seu ponto mais radical. O critério deixou de ser a competência ou a inteligência. O essencial é verificarmos que grupo representa o político A, se o grupo supostamente oposto está devidamente representado etc., etc.. As chamadas quotas.
Nesse sentido proponho-me fazer um ligeiro exercício sobre uma hipotética constituição da Assembleia da República eleita segundo estes novos critérios.
Arredondemos o número de deputados para 200, para simplificar as coisas. Desde logo teríamos 99 homens e 101 mulheres. 1 deputado cabo-verdiano. 1 deputado brasileiro. 1 deputado ucraniano. 120 deputados benfiquistas, 40 sportinguistas (como eu) e 30 portistas. 10 deputados desempregados. 14 deputados funcionários públicos (como eu). 18 deputados analfabetos. 5 deputados alcoólicos e 7 bebedores excessivos. 39 deputados que retirem cera dos ouvidos com a unha comprida do dedo mindinho. 22 com disfunção eréctil. 25 que dêem porrada na mulher sem partirem a unha comprida do dedo mindinho. 20 deputados homossexuais. 18 com patologias cardíacas. 44 com caspa. 31 carecas. 170 morenos (como eu), 30 loiros. 40 com pronúncia beirã. 30 com pronúncia alentejana. 37 míopes (como eu). 2 deputados que gostem de lampreia. 13 do tipo “esquerdóide” invejoso. 13 daqueles que dizem “o que fazia falta era outro Salazar”. 7 dos que nunca tendo ido ao Gerês, gabam com frequência a sua beleza natural. 22 dos que afirmam aos amigos no café já terem conhecido intimamente metade das vizinhas. 8 frígidas. 54 dos que tendo um carro de 1000 e poucos cc, insistem em comportar-se como se tivessem um Ferrari. 24 dos que desconhecem a palavra desodorizante. 33 do tipo minorca e atarracado (como eu). 18 magros e com narizes tubarónicos. 92 que já foram a Fátima, 35 que tenham apanhado uma insolação. 65 que já foram à Fatinha, 27 que tenham apanhado uma doença venérea. 44 deputadas que se alimentem a cenoura ralada e a alface, mas profusamente regadas com maionese. 29 deputados exasperados com a montanha de Pantagruel que teima em crescer, onde antes só se via um planície seca e rude desde os tempos da tropa.
Os critérios são inesgotáveis, o que representa uma vantagem, pois permite que se crie uma comissão de sábios para estudar o assunto e um grupo de trabalho constituído por sociólogos, psicólogos, professores e outros quadros qualificados, baixando assim o desemprego.
O Presidente da Assembleia da República seria o tipo (ou a tipa) que conseguisse reunir em si o maior número de critérios.
Seria uma animação! Famílias inteiras a discutir acaloradamente os deputados, zangas entre cunhados, jantares festivos estragados…como antigamente.
E depois o Grande Final, na altura dos digestivos, com uma votação por sms!
Nesse sentido proponho-me fazer um ligeiro exercício sobre uma hipotética constituição da Assembleia da República eleita segundo estes novos critérios.
Arredondemos o número de deputados para 200, para simplificar as coisas. Desde logo teríamos 99 homens e 101 mulheres. 1 deputado cabo-verdiano. 1 deputado brasileiro. 1 deputado ucraniano. 120 deputados benfiquistas, 40 sportinguistas (como eu) e 30 portistas. 10 deputados desempregados. 14 deputados funcionários públicos (como eu). 18 deputados analfabetos. 5 deputados alcoólicos e 7 bebedores excessivos. 39 deputados que retirem cera dos ouvidos com a unha comprida do dedo mindinho. 22 com disfunção eréctil. 25 que dêem porrada na mulher sem partirem a unha comprida do dedo mindinho. 20 deputados homossexuais. 18 com patologias cardíacas. 44 com caspa. 31 carecas. 170 morenos (como eu), 30 loiros. 40 com pronúncia beirã. 30 com pronúncia alentejana. 37 míopes (como eu). 2 deputados que gostem de lampreia. 13 do tipo “esquerdóide” invejoso. 13 daqueles que dizem “o que fazia falta era outro Salazar”. 7 dos que nunca tendo ido ao Gerês, gabam com frequência a sua beleza natural. 22 dos que afirmam aos amigos no café já terem conhecido intimamente metade das vizinhas. 8 frígidas. 54 dos que tendo um carro de 1000 e poucos cc, insistem em comportar-se como se tivessem um Ferrari. 24 dos que desconhecem a palavra desodorizante. 33 do tipo minorca e atarracado (como eu). 18 magros e com narizes tubarónicos. 92 que já foram a Fátima, 35 que tenham apanhado uma insolação. 65 que já foram à Fatinha, 27 que tenham apanhado uma doença venérea. 44 deputadas que se alimentem a cenoura ralada e a alface, mas profusamente regadas com maionese. 29 deputados exasperados com a montanha de Pantagruel que teima em crescer, onde antes só se via um planície seca e rude desde os tempos da tropa.
Os critérios são inesgotáveis, o que representa uma vantagem, pois permite que se crie uma comissão de sábios para estudar o assunto e um grupo de trabalho constituído por sociólogos, psicólogos, professores e outros quadros qualificados, baixando assim o desemprego.
O Presidente da Assembleia da República seria o tipo (ou a tipa) que conseguisse reunir em si o maior número de critérios.
Seria uma animação! Famílias inteiras a discutir acaloradamente os deputados, zangas entre cunhados, jantares festivos estragados…como antigamente.
E depois o Grande Final, na altura dos digestivos, com uma votação por sms!
TSUNAMIS
Para além dos tsunamis que de vez em quando nos rasgam as couraças cibernéticas que construímos sobre nós mesmos, existem outros tsunamis, outras ondas de cores mais garridas.
Tsunamis como Jozef Staline, que na sua fúria de dona-de-casa frígida e ressabiada, limpou 13 milhões. Como Adolf Hitler, hospedeiro da sombra que persiste sempre, mesmo no que é luminoso, que matou 12 milhões. Ou o grande camarada Mao, que entre revoluções culturais e experiências no laboratório vivo que foi a China, exterminou 11 milhões de pessoas.
Estes são exemplos dos tsunamis mais perigosos e letais que qualquer onda, que começam com um simples remoinho na cabeça de criaturas asquerosas e que vão crescendo, exactamente na medida da nossa indiferença e do nosso egoísmo.
Tsunamis como Jozef Staline, que na sua fúria de dona-de-casa frígida e ressabiada, limpou 13 milhões. Como Adolf Hitler, hospedeiro da sombra que persiste sempre, mesmo no que é luminoso, que matou 12 milhões. Ou o grande camarada Mao, que entre revoluções culturais e experiências no laboratório vivo que foi a China, exterminou 11 milhões de pessoas.
Estes são exemplos dos tsunamis mais perigosos e letais que qualquer onda, que começam com um simples remoinho na cabeça de criaturas asquerosas e que vão crescendo, exactamente na medida da nossa indiferença e do nosso egoísmo.
3/18/2005
QUANDO OUÇO FALAR EM PIDDAC PUXO LOGO DA PISTOLA
A discussão das causas públicas faz-me lembrar os chamados desportos radicais. Os protagonistas parecem todos temerários, dispostos a arriscar, mas é quase sempre encenação: sobem montanhas de cartão prensado, lutam com armas made in Taiwan e aterram sempre em cima do colchão. Em Portugal a discussão tem também esse cariz lúdico, essa leveza das conversas de fim de tarde, em esplanadas partilhadas com comadres disfarçadas de tordos e chapins, quando estamos mais preocupados em gozar o Sol que se põe.
Uma das discussões preferidas dos encartados é o peso do Estado, a despesa pública e a eficiência dos serviços. O jargão tecnocrático é o creme que disfarça o mofo do miolo, a gravata sóbria e os tiques professorais permitem que se digam as maiores idiotices como se de verdades dogmáticas se tratassem. Reduzir o número de funcionários (o que não deixa de ser curioso, já que ninguém sabe exactamente quantos funcionários trabalham no Estado ou para o Estado) ao mesmo tempo que se vocifera por mais médicos, mais polícias, mais juízes e mais quadros qualificados. Melhorar a qualidade dos serviços públicos, dando formação profissional aos funcionários mas clamando pela next big thing chamada outsourcing, nunca demonstrando a compatibilidade das duas.
O que raramente se refere é o custo e a estupidez do leque de nomeações políticas para cargos onde a competência técnica é o factor essencial. Nunca se diz que nenhum serviço público pode ser eficiente se mudar de administração de quatro em quatro anos.
De todos os defeitos e ineficiências da nossa Administração Pública, aquele que tem provavelmente mais impacto e que paradoxalmente é menos referido é o PIDDAC. Olhando a criatura, conclui-se que não é um laxante, pois o seu nome não acaba em lax. Também não é um analgésico, não terminando em ol. É o Plano (ou Programa) de Investimentos e Despesas de Desenvolvimento da Administração Central. A que se acrescenta a expressão Regionalizado. É uma espécie de Fiat 600, mas com tunning. Não passa dos 100 km/h, mas tem estilo, parece moderno.
Afinal o que é o PIDDAC Regionalizado? É nesse Plano que o Governo anualmente define os investimentos que serão feitos nas mais diversas regiões. Desde auto-estradas a sedes de sociedades recreativas. Começa aqui o absurdo. Não se percebe como é que se distribui investimentos por regiões, quando o país não está regionalizado. Como é absurdo pensar que uma Administração Central ineficiente como é a que temos, possa ter a mínima noção das necessidades concretas de uma determinada localidade.
Resultado: num ano o Governo define como prioridade a construção da sede social da Sociedade Recreativa de Arrefinfa-lhe de Cima e programa o seu financiamento para os próximos 5 anos. Faz-se uma festa de arromba, vem o padre, o autarca, o Sr. António, trolha promovido a empreiteiro da construção civil, o subsecretário de estado das pontes, das fontes e de outros mastodontes. A vernissage éapresentada pela Tininha, filha da Lurdes cabeleireira, Miss Arrefinfa-lhe de Cima 2003. Começa-se a construção. No ano seguinte aquilo que estava programado para 5 anos, simplesmentedesapareceu do mapa (o PIDDAC apresenta-se em mapas, por causa da seriedade) e não volta a aparecer nos piddacs seguintes. Arrefinfa-lhe de Cima ganhou assim um novo postal ilustrado, a Tchetchénia das Beiras. Ficou a magnífica maquete, exposta na Junta de Freguesia. Da sede apenas tijolos e sacos de cimento que se esvaem ao vento, roídos pelo Eusébio, cão do Sr. Martins, também ele afectado pela desertificação, concorrendo deslealmente com os carros telecomandados que os emigrantes trazem no Verão, pela atenção da meia dúzia de miúdos da aldeia. Começam então as rifas, os bailes populares na tentativa de arranjar capital para construir a sede. 10 anos depois a sede é inaugurada, com a presença do padre, do autarca, do Empresário da Construção Civil, Sr. Eng.º António e pelo subsecretário de estado das bandas, filarmónicas e fanfarras. Para grande desgosto da Tinhinha, que vários quilos depois perdeu a graça petulante que tinha, a inauguração éapresentada pela Jessica Vanessa, filha do Presidente da Junta, homem de trabalho, regressado há uns anos do Luxembourg. O edifício é completamente anacrónico, não cumpre as regras dos 733.499.234 regulamentos comunitários que entretanto saíram sobre edifícios de utilização pública, mas o que interessa é que está lá, secretamente inaugurado por um já trôpego Eusébio, que a custo saiu do seu quintal e conseguiu alçar a perna junto à peanha que sustenta a placa da inauguração.
Tudo isto acontece porque o PIDDAC é sobretudo o sustento da política de corredores, instrumento da promoção pessoal de caciques locais e de carreiristas, decidido em gabinetes impecavelmente mobilados, onde se discute, entre sorrisos cúmplices perante o andar de corista da nova secretária ou o ar very british do novo assessor, a quem se vai distribuir os dinheiros do PIDDAC, em nome de interesses pessoais ou partidários, dos amigos directamente beneficiários dos investimentos, tudo razões de Estado e quase nunca com base em necessidades reais e concretas das populações.
De norte a sul, do pólo norte ao pólo sul, passando algumas vezes pelo polylon, milhões e milhões de euros são desbaratados, projectos são aprovados para no ano seguinte serem esquecidos.
Para não se pensar que estou a falar de cor, deixo um exemplo. Aquela que é a mais importante obra algum dia feita na Póvoa, as novas instalações da CerciPóvoa, que mais do que alimentar esta ou aquela clique ou grupo de pressão éuma obra que nos distingue e eleva, que nos faz sentir menos terceiro-mundistas, aguarda, nua e desconsolada que o PIDDAC a volte a colocar no mapa.
Tenho a certeza que a CerciPóvoa terá todo o gosto em acolher, de preferência em regime de internato, alguns dos que mais têm contribuído para este estado das coisas.
A discussão das causas públicas faz-me lembrar os chamados desportos radicais. Os protagonistas parecem todos temerários, dispostos a arriscar, mas é quase sempre encenação: sobem montanhas de cartão prensado, lutam com armas made in Taiwan e aterram sempre em cima do colchão. Em Portugal a discussão tem também esse cariz lúdico, essa leveza das conversas de fim de tarde, em esplanadas partilhadas com comadres disfarçadas de tordos e chapins, quando estamos mais preocupados em gozar o Sol que se põe.
Uma das discussões preferidas dos encartados é o peso do Estado, a despesa pública e a eficiência dos serviços. O jargão tecnocrático é o creme que disfarça o mofo do miolo, a gravata sóbria e os tiques professorais permitem que se digam as maiores idiotices como se de verdades dogmáticas se tratassem. Reduzir o número de funcionários (o que não deixa de ser curioso, já que ninguém sabe exactamente quantos funcionários trabalham no Estado ou para o Estado) ao mesmo tempo que se vocifera por mais médicos, mais polícias, mais juízes e mais quadros qualificados. Melhorar a qualidade dos serviços públicos, dando formação profissional aos funcionários mas clamando pela next big thing chamada outsourcing, nunca demonstrando a compatibilidade das duas.
O que raramente se refere é o custo e a estupidez do leque de nomeações políticas para cargos onde a competência técnica é o factor essencial. Nunca se diz que nenhum serviço público pode ser eficiente se mudar de administração de quatro em quatro anos.
De todos os defeitos e ineficiências da nossa Administração Pública, aquele que tem provavelmente mais impacto e que paradoxalmente é menos referido é o PIDDAC. Olhando a criatura, conclui-se que não é um laxante, pois o seu nome não acaba em lax. Também não é um analgésico, não terminando em ol. É o Plano (ou Programa) de Investimentos e Despesas de Desenvolvimento da Administração Central. A que se acrescenta a expressão Regionalizado. É uma espécie de Fiat 600, mas com tunning. Não passa dos 100 km/h, mas tem estilo, parece moderno.
Afinal o que é o PIDDAC Regionalizado? É nesse Plano que o Governo anualmente define os investimentos que serão feitos nas mais diversas regiões. Desde auto-estradas a sedes de sociedades recreativas. Começa aqui o absurdo. Não se percebe como é que se distribui investimentos por regiões, quando o país não está regionalizado. Como é absurdo pensar que uma Administração Central ineficiente como é a que temos, possa ter a mínima noção das necessidades concretas de uma determinada localidade.
Resultado: num ano o Governo define como prioridade a construção da sede social da Sociedade Recreativa de Arrefinfa-lhe de Cima e programa o seu financiamento para os próximos 5 anos. Faz-se uma festa de arromba, vem o padre, o autarca, o Sr. António, trolha promovido a empreiteiro da construção civil, o subsecretário de estado das pontes, das fontes e de outros mastodontes. A vernissage éapresentada pela Tininha, filha da Lurdes cabeleireira, Miss Arrefinfa-lhe de Cima 2003. Começa-se a construção. No ano seguinte aquilo que estava programado para 5 anos, simplesmentedesapareceu do mapa (o PIDDAC apresenta-se em mapas, por causa da seriedade) e não volta a aparecer nos piddacs seguintes. Arrefinfa-lhe de Cima ganhou assim um novo postal ilustrado, a Tchetchénia das Beiras. Ficou a magnífica maquete, exposta na Junta de Freguesia. Da sede apenas tijolos e sacos de cimento que se esvaem ao vento, roídos pelo Eusébio, cão do Sr. Martins, também ele afectado pela desertificação, concorrendo deslealmente com os carros telecomandados que os emigrantes trazem no Verão, pela atenção da meia dúzia de miúdos da aldeia. Começam então as rifas, os bailes populares na tentativa de arranjar capital para construir a sede. 10 anos depois a sede é inaugurada, com a presença do padre, do autarca, do Empresário da Construção Civil, Sr. Eng.º António e pelo subsecretário de estado das bandas, filarmónicas e fanfarras. Para grande desgosto da Tinhinha, que vários quilos depois perdeu a graça petulante que tinha, a inauguração éapresentada pela Jessica Vanessa, filha do Presidente da Junta, homem de trabalho, regressado há uns anos do Luxembourg. O edifício é completamente anacrónico, não cumpre as regras dos 733.499.234 regulamentos comunitários que entretanto saíram sobre edifícios de utilização pública, mas o que interessa é que está lá, secretamente inaugurado por um já trôpego Eusébio, que a custo saiu do seu quintal e conseguiu alçar a perna junto à peanha que sustenta a placa da inauguração.
Tudo isto acontece porque o PIDDAC é sobretudo o sustento da política de corredores, instrumento da promoção pessoal de caciques locais e de carreiristas, decidido em gabinetes impecavelmente mobilados, onde se discute, entre sorrisos cúmplices perante o andar de corista da nova secretária ou o ar very british do novo assessor, a quem se vai distribuir os dinheiros do PIDDAC, em nome de interesses pessoais ou partidários, dos amigos directamente beneficiários dos investimentos, tudo razões de Estado e quase nunca com base em necessidades reais e concretas das populações.
De norte a sul, do pólo norte ao pólo sul, passando algumas vezes pelo polylon, milhões e milhões de euros são desbaratados, projectos são aprovados para no ano seguinte serem esquecidos.
Para não se pensar que estou a falar de cor, deixo um exemplo. Aquela que é a mais importante obra algum dia feita na Póvoa, as novas instalações da CerciPóvoa, que mais do que alimentar esta ou aquela clique ou grupo de pressão éuma obra que nos distingue e eleva, que nos faz sentir menos terceiro-mundistas, aguarda, nua e desconsolada que o PIDDAC a volte a colocar no mapa.
Tenho a certeza que a CerciPóvoa terá todo o gosto em acolher, de preferência em regime de internato, alguns dos que mais têm contribuído para este estado das coisas.
AS CORTES
A elaboração das listas de candidatos a deputados concorrentes às Eleições Legislativas constitui um dos momentos mais pungentes do nosso sistema político.
Transversalmente assiste-se a lutas entre caciques locais, ao esbracejar dos incompetentes do costume, apoiados por séquitos que sustentam com dinheiros públicos, às quotas, às jotas, aos porquinhos correndo atrás das bolotas.
O sistema é incongruente e é também dessa incongruência que se alimentam os medíocres. Os deputados são eleitos por círculos distritais (mais os círculos da Madeira, Açores, Europa e Fora da Europa), mas a natureza do seu mandato não os qualifica como representantes do círculo que os elege. Os deputados são deputados da Nação e não à Nação.
Aquilo que se pretende é constituir um corpo de 230 políticos competentes que produzam as medidas certas para resolver os problemas do País e não representantes de Distritos. Os 230 melhores, independentemente de morarem em Lisboa ou Beja, de serem novos ou velhos, gordos ou magros, homens ou mulheres. Num Parlamento Nacional não quero um tipo só porque émeu vizinho, porque o Parlamento não serve para resolver os problemas da minha rua, da minha cidade ou da minha área, mas do meu País.
Incomodados com este status quo, os magos encartados da nossa praça apresentam a solução, aparentemente escorrida da melhor cepa que a ciência política dá: círculos uninominais.
Em nome da responsabilização e da aproximação dos eleitos aos eleitores. Convenhamos que o cenário é engraçado. Ao fim-de-semana o Sr. Deputado volta à terra que o elegeu para prestar contas e no cafécentral, entre uns caracóis e umas imperiais vai respondendo às dúvidas, assentando sugestões, entremeando a seriedade da coisa com uns comentários brejeiros sobre os novos concorrentes da Quinta das Celebridades. Nos círculos com maior dimensão aproveita-se esta onda de democracia popularucha e rentabilizam-se alguns elefantes brancos. Por exemplo, no Algarve, temos o Estádio Faro-Loulé. Já estou a ver o Cartaz: Sábado, espectáculo com Ivete Sangalo (primeira parte a cargo do Sr. Deputado Silva).
Deixaríamos de ter uma Assembleia para passarmos a ter Cortes, num avanço regressivo de 700 anos. Em vez de se discutir Educação, teríamos 230 homens-bons a pedir mais uma escola para os seus representantes; em vez de se discutir Saúde, teríamos 230 galos capões procurando conseguir um hospital para a sua terra. Como só é eleito o mais votado em cada círculo, a aproximação entre eleitos e eleitores é metida no bolso, porque em última análise 49% dos eleitores podem não se sentir representados pelo candidato vencedor.
Quando se escolhem os representantes para um órgão nacional e que exerce poderes de soberania o que faz sentido é que essa escolha seja feita pelos portugueses como um todo e não por círculos mais ou menos artificiais. Provavelmente faltará um nível intermédio ao poder político instituído, algures entre os que decidem as Grandes Opções do Plano e os que promovem a construção de piscinas e rotundas, mas esta é outra questão.
Não basta no entanto instituirmos um círculo nacional para expurgarmos o sistema eleitoral dos seus óbvios defeitos. É também necessário que os eleitores escolham os deputados que querem ver na Assembleia da República, que cada eleitor vote não só no partido que preferir, como também possa escolher os deputados que ache mais qualificados. Para isso basta que cada lista apresente um conjunto de candidatose que os eleitores escolham aqueles que consideram mais qualificados, dentro dessa lista. Acabava-se de vez com o poder de influência de certos deputados e responsabilizava-se pessoalmente cada um dos escolhidos.
Custa assim tanto?
A elaboração das listas de candidatos a deputados concorrentes às Eleições Legislativas constitui um dos momentos mais pungentes do nosso sistema político.
Transversalmente assiste-se a lutas entre caciques locais, ao esbracejar dos incompetentes do costume, apoiados por séquitos que sustentam com dinheiros públicos, às quotas, às jotas, aos porquinhos correndo atrás das bolotas.
O sistema é incongruente e é também dessa incongruência que se alimentam os medíocres. Os deputados são eleitos por círculos distritais (mais os círculos da Madeira, Açores, Europa e Fora da Europa), mas a natureza do seu mandato não os qualifica como representantes do círculo que os elege. Os deputados são deputados da Nação e não à Nação.
Aquilo que se pretende é constituir um corpo de 230 políticos competentes que produzam as medidas certas para resolver os problemas do País e não representantes de Distritos. Os 230 melhores, independentemente de morarem em Lisboa ou Beja, de serem novos ou velhos, gordos ou magros, homens ou mulheres. Num Parlamento Nacional não quero um tipo só porque émeu vizinho, porque o Parlamento não serve para resolver os problemas da minha rua, da minha cidade ou da minha área, mas do meu País.
Incomodados com este status quo, os magos encartados da nossa praça apresentam a solução, aparentemente escorrida da melhor cepa que a ciência política dá: círculos uninominais.
Em nome da responsabilização e da aproximação dos eleitos aos eleitores. Convenhamos que o cenário é engraçado. Ao fim-de-semana o Sr. Deputado volta à terra que o elegeu para prestar contas e no cafécentral, entre uns caracóis e umas imperiais vai respondendo às dúvidas, assentando sugestões, entremeando a seriedade da coisa com uns comentários brejeiros sobre os novos concorrentes da Quinta das Celebridades. Nos círculos com maior dimensão aproveita-se esta onda de democracia popularucha e rentabilizam-se alguns elefantes brancos. Por exemplo, no Algarve, temos o Estádio Faro-Loulé. Já estou a ver o Cartaz: Sábado, espectáculo com Ivete Sangalo (primeira parte a cargo do Sr. Deputado Silva).
Deixaríamos de ter uma Assembleia para passarmos a ter Cortes, num avanço regressivo de 700 anos. Em vez de se discutir Educação, teríamos 230 homens-bons a pedir mais uma escola para os seus representantes; em vez de se discutir Saúde, teríamos 230 galos capões procurando conseguir um hospital para a sua terra. Como só é eleito o mais votado em cada círculo, a aproximação entre eleitos e eleitores é metida no bolso, porque em última análise 49% dos eleitores podem não se sentir representados pelo candidato vencedor.
Quando se escolhem os representantes para um órgão nacional e que exerce poderes de soberania o que faz sentido é que essa escolha seja feita pelos portugueses como um todo e não por círculos mais ou menos artificiais. Provavelmente faltará um nível intermédio ao poder político instituído, algures entre os que decidem as Grandes Opções do Plano e os que promovem a construção de piscinas e rotundas, mas esta é outra questão.
Não basta no entanto instituirmos um círculo nacional para expurgarmos o sistema eleitoral dos seus óbvios defeitos. É também necessário que os eleitores escolham os deputados que querem ver na Assembleia da República, que cada eleitor vote não só no partido que preferir, como também possa escolher os deputados que ache mais qualificados. Para isso basta que cada lista apresente um conjunto de candidatose que os eleitores escolham aqueles que consideram mais qualificados, dentro dessa lista. Acabava-se de vez com o poder de influência de certos deputados e responsabilizava-se pessoalmente cada um dos escolhidos.
Custa assim tanto?
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