3/18/2005

AS CORTES


A elaboração das listas de candidatos a deputados concorrentes às Eleições Legislativas constitui um dos momentos mais pungentes do nosso sistema político.

Transversalmente assiste-se a lutas entre caciques locais, ao esbracejar dos incompetentes do costume, apoiados por séquitos que sustentam com dinheiros públicos, às quotas, às jotas, aos porquinhos correndo atrás das bolotas.

O sistema é incongruente e é também dessa incongruência que se alimentam os medíocres. Os deputados são eleitos por círculos distritais (mais os círculos da Madeira, Açores, Europa e Fora da Europa), mas a natureza do seu mandato não os qualifica como representantes do círculo que os elege. Os deputados são deputados da Nação e não à Nação.

Aquilo que se pretende é constituir um corpo de 230 políticos competentes que produzam as medidas certas para resolver os problemas do País e não representantes de Distritos. Os 230 melhores, independentemente de morarem em Lisboa ou Beja, de serem novos ou velhos, gordos ou magros, homens ou mulheres. Num Parlamento Nacional não quero um tipo só porque émeu vizinho, porque o Parlamento não serve para resolver os problemas da minha rua, da minha cidade ou da minha área, mas do meu País.

Incomodados com este status quo, os magos encartados da nossa praça apresentam a solução, aparentemente escorrida da melhor cepa que a ciência política dá: círculos uninominais.

Em nome da responsabilização e da aproximação dos eleitos aos eleitores. Convenhamos que o cenário é engraçado. Ao fim-de-semana o Sr. Deputado volta à terra que o elegeu para prestar contas e no cafécentral, entre uns caracóis e umas imperiais vai respondendo às dúvidas, assentando sugestões, entremeando a seriedade da coisa com uns comentários brejeiros sobre os novos concorrentes da Quinta das Celebridades. Nos círculos com maior dimensão aproveita-se esta onda de democracia popularucha e rentabilizam-se alguns elefantes brancos. Por exemplo, no Algarve, temos o Estádio Faro-Loulé. Já estou a ver o Cartaz: Sábado, espectáculo com Ivete Sangalo (primeira parte a cargo do Sr. Deputado Silva).

Deixaríamos de ter uma Assembleia para passarmos a ter Cortes, num avanço regressivo de 700 anos. Em vez de se discutir Educação, teríamos 230 homens-bons a pedir mais uma escola para os seus representantes; em vez de se discutir Saúde, teríamos 230 galos capões procurando conseguir um hospital para a sua terra. Como só é eleito o mais votado em cada círculo, a aproximação entre eleitos e eleitores é metida no bolso, porque em última análise 49% dos eleitores podem não se sentir representados pelo candidato vencedor.

Quando se escolhem os representantes para um órgão nacional e que exerce poderes de soberania o que faz sentido é que essa escolha seja feita pelos portugueses como um todo e não por círculos mais ou menos artificiais. Provavelmente faltará um nível intermédio ao poder político instituído, algures entre os que decidem as Grandes Opções do Plano e os que promovem a construção de piscinas e rotundas, mas esta é outra questão.

Não basta no entanto instituirmos um círculo nacional para expurgarmos o sistema eleitoral dos seus óbvios defeitos. É também necessário que os eleitores escolham os deputados que querem ver na Assembleia da República, que cada eleitor vote não só no partido que preferir, como também possa escolher os deputados que ache mais qualificados. Para isso basta que cada lista apresente um conjunto de candidatose que os eleitores escolham aqueles que consideram mais qualificados, dentro dessa lista. Acabava-se de vez com o poder de influência de certos deputados e responsabilizava-se pessoalmente cada um dos escolhidos.

Custa assim tanto?

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