11/12/2004

BARBIE & KEN


Recordo agora aqueles tempos
dos beijos desajeitados no cinema
e depois a assimilação mútua
pressionada por qualquer coacção
obscura, vagamente identificável
com tópicos de maturidade
e depois o receio roendo
as nossas últimas defesas
os últimos actos de amor verdadeiro
e depois abruptamente o inchaço
e o resultado débil e hilariante
berrando entre tempestades nocturnas de whisky
e o olhar de caridade e estupefacção
dos que resistiam ainda, encarando-nos
como estranhos
e a tua carne tornou-se disforme
os teus seios flácidos e as tuas
mãos sem o tacto de outrora
apesar dos cremes de noite, de dia,
após o banho, os comprimidos
antes das refeições, ás cápsulas
miraculosas, mil merdas
de efeito de teatro.

E como ficas aberrante de avental
sempre com esse sorriso de manequim
tornaste-te funcional com múltiplas
variantes, chego a confundir-te com
os electrodomésticos da moulinex.

Recordo agora aqueles tempos
em que ainda sabíamos ou podíamos
dizer não.

Aqui sentado, olhando o écran
com o aspecto
duma alforreca jazendo á beira
do mar.