2/01/2006

ACUPUNPTURA MASOQUISTA

Numa tentativa mais ou menos frustrada e pedante de fugir ao circuito dos Centros Comerciais, tive a oportunidade de me deparar com o exercício de auto-medicação, sob a forma de acupunctura masoquista, que de uma maneira menos prosaica se chama gestão do património público.

O Estado, por boas e más razões, tem um património (no caso concreto um património edificado) valioso, que pela incúria de uns (zelosos funcionários) e pelo desinteresse de outros (todos nós), se vai dissipando, com um ritmo e uma metodologia admiráveis. De facto, se fossemos tão rigorosos e metódicos na acção, como somos na omissão, a nossa designação oficial não seria República Portuguesa, mas provavelmente Kongeriket Norge.

A Indep, em Moscavide e o antigo Quartel de Inspecção Militar em Setúbal são dois exemplos que não se amenizam por explicações burocráticas. Jazem, caquécticos, esfarrapados, esvaindo-se em silêncio.

O Estado, na sua ânsia prestativa, foi-se ramificando em organismos, serviços, institutos e tudo o que coube na imaginação delirante de sucessivos e impunes incompetentes. E ao abrigo do instituto da autonomia administrativa e financeira, cada um trata do património afectado como se de verdadeira propriedade se tratasse. Fazem-se guerrilhas cada vez que é necessário passar um qualquer edifício de uma direcção-geral para outra. Baterias de juristas engalfinham-se com pareceres rendados com notas de rodapé em alemão. Não há um único organismo público que seja proprietário de bens públicos, porque simplesmente os bens públicos não são susceptíveis de apropriação. Os bens são instrumentais, funcionais, afectados a um concreto organismo com um determinado fim.

Curiosamente o zelo e sobretudo o apego, esfumam-se ao abrigo de uma qualquer norma de excepção, que de boa fé, presume-se, o legislador entendeu criar, e o património público é alienado ao desbarato, permitindo a alguém fazer uma mais valia indecorosa (nada tenho contra as mais valias, mas a minha tolerância à esperteza saloia tem como limite os fura filas de hipermercado). Segundo a tabela oficiosa, dez mais valias dão direito a uma comenda.

Uma viagem virtual à Direcção Geral do Património é esclarecedora. Como objectivamente não há planeamento nem estratégia, ou pelo menos mudam cada vez que muda o Governo, muitas das vendas em hasta pública ficam desertas, isto é, não aparece ninguém para comprar o que o Estado quer vender.

Como os tais organismos não falam entre si, dão-se situações ridículas, em que, por exemplo, um determinado serviço precisa de um edifício com carácter de urgência, num local concreto e acaba por fazer uma aquisição quando, mesmo ali ao lado existe um edifício público, mas que levaria muito tempo a desafectar, que pertence ao instituto Y, ou simplesmente porque os dirigentes dos dois serviços não gostam, desde o tempo da faculdade, um do outro. Há sempre uma lei, uma portaria ou um despacho protector da gestão danosa, mesmo que sejam do tempo do amigo botas.

Decididamente, o melhor é deixar-me de passeios ao ar livre e ir para o vasco da gama, o colombo ou o diogo cão, porque a nossa memória colectiva já só é “preservada” nos nomes dos centros comerciais…

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