Quase como nós próprios, os espaços urbanos têm o seu tempo de pujança e esplendor e tornam-se decadentes e ineptos.
Sem quaisquer pretensões doutrinárias, julgo que, com as suas óbvias diferenças, a Urbanização da Portela e o Bairro dos Olivais são duas realidades que servem de referência para quem gosta de pensar sobre o urbanismo.
Ambas surgiram com a melhor das intenções, foram marcos em termos de intervenção urbana e caíram em decadência. Claro que falar em decadência na Portela ou no 6 de Maio se reporta a realidades qualitativamente diferentes. O projecto, pensado e executado para uma determinada ideia de comunidade não se revelou adequado (nem nenhum projecto urbanístico, por muito bom que seja, consegue, por si só, evitar fenómenos de exclusão ou de delinquência, ou sequer “criar” o espírito comunitário) nem resistiu incólume às mudanças sociais que se verificaram.
Aquelas duas áreas (sub)urbanas tornaram-se inadequadas, deixaram de dar resposta às necessidades dos seus habitantes, numa palavra, tornaram-se anacrónicas.
E é exactamente essa palavra que me surge quando penso na chamada 2ª Fase da Quinta da Piedade, na Póvoa de Santa Iria. Anacrónico.
As realidades que falei no início, nasceram adequadas às necessidades de então e só depois, com a alteração dos hábitos das pessoas e o surgimento de outras áreas, se tornaram inaptas. A 2ª fase já nasceu completamente desfasada, inadequada ao seu tempo. Não falo obviamente no interior das habitações, no espaço privado, que terá com certeza, o último grito (histérico) da moda. Falo no espaço público, refiro-me ao próprio modelo, à quase ausência de comércio, à disposição dos prédios, olhando desconfiados e de soslaio uns para os outros, da mesma forma que nos olhamos nos elevadores.
Para quem não conheça, não estou a falar de meia dúzia de lotes, mas de uma área com mais população que a maioria das freguesias do Concelho de Vila Franca de Xira.
Não pretende este texto ser um libelo contra quem autorizou tão bizarra esfinge, sem nenhuma causa existencial para além da incúria de uns e a inconsciência de outros.
Pretende antes de mais funcionar como um alerta, para que, criado o monstro se evite que tenha azia.
Quem vai hoje morar para a 2ª Fase, depressa procurará outra zona, porque rapidamente vê goradas as suas expectativas mais básicas. Ou seja, assim torna-se impossível criar qualquer consciência cívica eficaz, porque as pessoas olham para a urbanização como um ponto de passagem e nunca (ou pelo menos raramente) como um sítio para se fixarem, para criarem raízes.
Tudo isto leva à depreciação do valor das habitações e perante o dinamismo que caracteriza a área metropolitana de Lisboa e os novos pólos de atracção (como o aeroporto da Ota) não é difícil imaginar a debandada das pessoas que moram na 2ª Fase, assim como a transmissão dos imóveis entretanto desvalorizados a quem os quiser comprar, passando aquela área a ser habitada não pela garrida classe média, como hoje, mas essencialmente pelas franjas mais desfavorecidas. Como é óbvio, nada tenho contra quem é menos desfavorecido, quem vive em condições de cidadania precárias, mas concentrar quem é mais desfavorecido repele, é contra a natureza do conceito de cidade, forma ghettos, empobrece a vida citadina. Da mesma forma que os ghettos dos ricos, aliás, mas com efeitos sociais mais perversos. Teremos no meio da Póvoa um bairro onde quem não mora lá não passa, ou se passar é porque lá se “passa”. Ora eu não quero uma versão contemporânea do Bairro dos Olivais nos anos 70.
E para que isso não aconteça, é preciso que se actue de imediato. Os poderes públicos, é certo, mas também as próprias pessoas, em relação às quais os poderes públicos devem dar a iniciativa, facilitá-la até, com regras mas sobretudo com bom senso.
Tenho a noção que os recursos públicos são não só limitados como escassos, isto é, não só se esgotam, como não respondem às necessidades actuais. Também por isso, a atitude das pessoas é fundamental e fará toda a diferença, porque não há polidesportivos, parques urbanos, zonas de lazer, aquilo que lhe quiserem chamar, que criem, por si sós, o espírito comunitário e a vontade necessária para que a 2ª fase não se torne num ghetto.
Dir-me-ão que estou a ser alarmista, exagerado, pedante, que a 2ª Fase é só uma zona da Póvoa de Santa Iria, que não é verosímil que se torne, em 10 ou 20 anos, numa zona degradada.
A “zona” é, repito, maior (em termos populacionais) que a maioria das freguesias do concelho. O espaço urbano não pode ser visto como um aglomerado de feudos, mais ou menos fechados. Com áreas públicas degradadas, sem dignidade, insalubres, nas quais as pessoas são incapazes de respirar num ar fétido de tanto regulamento em papel amarelado, de tanto procedimento administrativo inconsequente, de tanta conversa da treta e joguinhos pueris do “agora fazes tu, ou agora faço eu?”, e que por isso se fecham em casas de chão parquet. Até ao dia em que paulatinamente, começarem a sair dos prédios com as malas vuitton de feira e se meterão nos seus automóveis, para nunca mais voltarem. Sem um pingo de pena ou de saudade.
Sem quaisquer pretensões doutrinárias, julgo que, com as suas óbvias diferenças, a Urbanização da Portela e o Bairro dos Olivais são duas realidades que servem de referência para quem gosta de pensar sobre o urbanismo.
Ambas surgiram com a melhor das intenções, foram marcos em termos de intervenção urbana e caíram em decadência. Claro que falar em decadência na Portela ou no 6 de Maio se reporta a realidades qualitativamente diferentes. O projecto, pensado e executado para uma determinada ideia de comunidade não se revelou adequado (nem nenhum projecto urbanístico, por muito bom que seja, consegue, por si só, evitar fenómenos de exclusão ou de delinquência, ou sequer “criar” o espírito comunitário) nem resistiu incólume às mudanças sociais que se verificaram.
Aquelas duas áreas (sub)urbanas tornaram-se inadequadas, deixaram de dar resposta às necessidades dos seus habitantes, numa palavra, tornaram-se anacrónicas.
E é exactamente essa palavra que me surge quando penso na chamada 2ª Fase da Quinta da Piedade, na Póvoa de Santa Iria. Anacrónico.
As realidades que falei no início, nasceram adequadas às necessidades de então e só depois, com a alteração dos hábitos das pessoas e o surgimento de outras áreas, se tornaram inaptas. A 2ª fase já nasceu completamente desfasada, inadequada ao seu tempo. Não falo obviamente no interior das habitações, no espaço privado, que terá com certeza, o último grito (histérico) da moda. Falo no espaço público, refiro-me ao próprio modelo, à quase ausência de comércio, à disposição dos prédios, olhando desconfiados e de soslaio uns para os outros, da mesma forma que nos olhamos nos elevadores.
Para quem não conheça, não estou a falar de meia dúzia de lotes, mas de uma área com mais população que a maioria das freguesias do Concelho de Vila Franca de Xira.
Não pretende este texto ser um libelo contra quem autorizou tão bizarra esfinge, sem nenhuma causa existencial para além da incúria de uns e a inconsciência de outros.
Pretende antes de mais funcionar como um alerta, para que, criado o monstro se evite que tenha azia.
Quem vai hoje morar para a 2ª Fase, depressa procurará outra zona, porque rapidamente vê goradas as suas expectativas mais básicas. Ou seja, assim torna-se impossível criar qualquer consciência cívica eficaz, porque as pessoas olham para a urbanização como um ponto de passagem e nunca (ou pelo menos raramente) como um sítio para se fixarem, para criarem raízes.
Tudo isto leva à depreciação do valor das habitações e perante o dinamismo que caracteriza a área metropolitana de Lisboa e os novos pólos de atracção (como o aeroporto da Ota) não é difícil imaginar a debandada das pessoas que moram na 2ª Fase, assim como a transmissão dos imóveis entretanto desvalorizados a quem os quiser comprar, passando aquela área a ser habitada não pela garrida classe média, como hoje, mas essencialmente pelas franjas mais desfavorecidas. Como é óbvio, nada tenho contra quem é menos desfavorecido, quem vive em condições de cidadania precárias, mas concentrar quem é mais desfavorecido repele, é contra a natureza do conceito de cidade, forma ghettos, empobrece a vida citadina. Da mesma forma que os ghettos dos ricos, aliás, mas com efeitos sociais mais perversos. Teremos no meio da Póvoa um bairro onde quem não mora lá não passa, ou se passar é porque lá se “passa”. Ora eu não quero uma versão contemporânea do Bairro dos Olivais nos anos 70.
E para que isso não aconteça, é preciso que se actue de imediato. Os poderes públicos, é certo, mas também as próprias pessoas, em relação às quais os poderes públicos devem dar a iniciativa, facilitá-la até, com regras mas sobretudo com bom senso.
Tenho a noção que os recursos públicos são não só limitados como escassos, isto é, não só se esgotam, como não respondem às necessidades actuais. Também por isso, a atitude das pessoas é fundamental e fará toda a diferença, porque não há polidesportivos, parques urbanos, zonas de lazer, aquilo que lhe quiserem chamar, que criem, por si sós, o espírito comunitário e a vontade necessária para que a 2ª fase não se torne num ghetto.
Dir-me-ão que estou a ser alarmista, exagerado, pedante, que a 2ª Fase é só uma zona da Póvoa de Santa Iria, que não é verosímil que se torne, em 10 ou 20 anos, numa zona degradada.
A “zona” é, repito, maior (em termos populacionais) que a maioria das freguesias do concelho. O espaço urbano não pode ser visto como um aglomerado de feudos, mais ou menos fechados. Com áreas públicas degradadas, sem dignidade, insalubres, nas quais as pessoas são incapazes de respirar num ar fétido de tanto regulamento em papel amarelado, de tanto procedimento administrativo inconsequente, de tanta conversa da treta e joguinhos pueris do “agora fazes tu, ou agora faço eu?”, e que por isso se fecham em casas de chão parquet. Até ao dia em que paulatinamente, começarem a sair dos prédios com as malas vuitton de feira e se meterão nos seus automóveis, para nunca mais voltarem. Sem um pingo de pena ou de saudade.