3/29/2006

BOA FÉ E RECIPROCIDADE

A expulsão dos imigrantes do Canadá pode ser vista de duas formas. A primeira é a que diz “Dura Lex, sed Lex” e que assim fecha a questão. A outra é que a aplicação de qualquer Lei pressupõe boa fé de quem a aplica e dificilmente pode o Estado Canadiano alegar que desconhecia que há mais de 10 ou 15 anos muitas daquelas pessoas lá viviam. A vida das pessoas, por menos intrusiva que possa ser a actuação de um Estado, é feita de actos que pela sua natureza são públicos (compra ou arrendamento de casa, inscrição dos filhos na escola) e de outros que além de públicos pressupõem o conhecimento expresso do Estado (pagamento de impostos), pelo que existe má fé do Estado Canadiano nesta actuação.

Para além do princípio da boa fé existe um outro que nunca deve ser esquecido nestas ocasiões, que é o da reciprocidade.

Para que amanhã o Estado Português não faça exactamente o mesmo com imigrantes que vivem, trabalham e descontam há 5, 10 ou 15 anos no nosso País.

3/03/2006

MORCEGOS DE FRAQUE

Na curiosa fauna indígena, há um bicho muito especial, protegido como poucos. Pilhas e pilhas de decretos, de despachos, impedem a sua extinção. Num clima social onde algumas vozes reclamam a biodiversidade, eis um exemplo de resistência e protecção.

Estou, como é óbvio, a falar do Morcego de Fraque.

Criatura ancestral, descrita desde há muito na literatura especializada, mantém-se praticamente inalterada desde o início dos tempos, embora a sua adaptabilidade possa indiciar o contrário. Numa ou noutra ocasião podem crescer-lhe poderosas garras ou afiados caninos, mas no essencial continua a ser a mesma: invertebrada, primária, comezinha até.

Refugia-se nos pontos menos iluminados dos amplos corredores que se projectam para afirmar a nossa grandiosidade civilizacional, de onde só sai para, no silêncio das suas patas ridiculamente pequenas, morder os calcanhares de quem passa.

Morder manso, quase doce, tem o bicho!

Suga, suga, enquanto beija e à medida que vai trepando nas pernas do hospedeiro, chama os amigos para tal comezaina. Ou então, se ainda é mancebo, novo e inexperiente, trepa sozinho até chegar a sítio mais quente.

Bem se coça o hospedeiro, com a cútis irritada; assim se move o bandoleiro, numa dança bem encenada.

Não sendo criatura de devaneios, se ali já não dá nada, levanta os freios e parte de madrugada.

E que faz a criatura, quando do alheio não se alimenta?
Coisa sem estrutura, muito menos de sebenta.
Arranja fêmea ou macho, em festas catitas
Logo constitui família e em casa recebe visitas.

Perguntará o leitor, deveras intrigado
Onde se avista tal bicho,
Onde come, onde fica o seu nicho
Que nunca viu em nenhum lado?

Nasce todo pretinho, berrando pelo corredor
Mal se aplaca a borbulha, é nomeado doutor
É aí que se dá, fenómeno sem igual
O trafulha passa a excelso intelectual

Pula de escritório em escritório,
Que as fartas formas da República a todos acolhe,
O almoxarife emproado que chega ao parlatório
Ou o incompetente que mais ninguém escolhe