Quando falamos do nosso estado de desenvolvimento, costumamos colocar-nos entre os mais pobres dos mais ricos. Em tempos de crise aproximamo-nos dos mais ricos dos mais pobres e não “descemos” ao seu grupo por circunstancialismos geográficos.
Lembrei-me há dias da célebre ideia pós-25 de Abril que proclamava “os ricos que paguem a crise”, porque na nossa sociedade continuam a existir pessoas e grupos que entendem que essa frase ainda faz sentido.
Acontece que não conheço nenhuma sociedade humana na qual os ricos tivessem algum dia pago a crise. E isto acontece independentemente de eu considerar que os ricos podiam pagar a crise.
Convém antes de mais delimitar minimamente o que é um “rico”. Para mim, que ganho menos de 1000 euros por mês, rico, do ponto de vista psicológico será o tipo que por mês ganha 100 ou 200.000 euros por mês. Mas sociologicamente não é rico. Faz parte da classe média.
O verdadeiro rico é uma criatura que não aparece nas revistas cor-de-rosa, que vive num mundo à parte, em que os filhos vivem num mundo à parte. Bem pode o arrivista colocar os filhos no mesmo colégio de referência, pô-lo nas mesmas escolas de equitação, que nunca passará de uma imitação, no caso cara, mas imitação.
O problema é que confrontados com a riqueza, o que nós queremos (legitimamente) é ser um pouco mais ricos e temos como referência o vizinho e o seu bmw, o patrão e as suas férias em paraísos tropicais e mantemos com essas referências uma relação ambígua, esquizofrénica, até. Por um lado admiramos a sua esperteza em fugir aos impostos, sonhando ser como ele e por outro temos um desejo íntimo de o poder quilhar.
Enquanto os meninos se esgadanham para apanhar os melhores chupas, os ricos desfrutam calmamente souflés.
O horizonte da classe média começa num bairro de subúrbio, dai para uma urbanização no mesmo subúrbio, depois para um subúrbio um bocado melhor, para uma vivenda (agora diz-se moradia) e a cereja cristalizada em cima do bolo, uma casa de férias no Algarve.
Eis o retrato de sucesso que a maioria almeja alcançar.
Sem pessimismos existencialistas ou optimismos retirados de livros de bolso de psicologia, o mais provável é que cada vez mais existam pessoas que vão parar na urbanização do mesmo subúrbio, cada vez mais pessoas a ficarem no bairro dos pais ou na habitação social. Os ricos vão continuar ricos e etéreos. A solidariedade é uma palavra estranha no seu vocabulário. A única solidariedade exequível passa-se ao nível da classe média, o que é complicado num país estruturalmente pobre e onde cada um tenta subir um pouco mais, dando pontapés e cuspidelas no que está um pouco abaixo de si, enquanto que, com o mesmo olhar de espanto e admiração que eu punha quando via as montras das marisqueiras na Baixa há 30 anos atrás, olha o trepador alguns metros acima, procurando perceber a marca dos sapatos para ir a correr comprar um par. Perdão. Dois ou três.
9/14/2006
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