3/18/2005

QUANDO OUÇO FALAR EM PIDDAC PUXO LOGO DA PISTOLA


A discussão das causas públicas faz-me lembrar os chamados desportos radicais. Os protagonistas parecem todos temerários, dispostos a arriscar, mas é quase sempre encenação: sobem montanhas de cartão prensado, lutam com armas made in Taiwan e aterram sempre em cima do colchão. Em Portugal a discussão tem também esse cariz lúdico, essa leveza das conversas de fim de tarde, em esplanadas partilhadas com comadres disfarçadas de tordos e chapins, quando estamos mais preocupados em gozar o Sol que se põe.

Uma das discussões preferidas dos encartados é o peso do Estado, a despesa pública e a eficiência dos serviços. O jargão tecnocrático é o creme que disfarça o mofo do miolo, a gravata sóbria e os tiques professorais permitem que se digam as maiores idiotices como se de verdades dogmáticas se tratassem. Reduzir o número de funcionários (o que não deixa de ser curioso, já que ninguém sabe exactamente quantos funcionários trabalham no Estado ou para o Estado) ao mesmo tempo que se vocifera por mais médicos, mais polícias, mais juízes e mais quadros qualificados. Melhorar a qualidade dos serviços públicos, dando formação profissional aos funcionários mas clamando pela next big thing chamada outsourcing, nunca demonstrando a compatibilidade das duas.

O que raramente se refere é o custo e a estupidez do leque de nomeações políticas para cargos onde a competência técnica é o factor essencial. Nunca se diz que nenhum serviço público pode ser eficiente se mudar de administração de quatro em quatro anos.

De todos os defeitos e ineficiências da nossa Administração Pública, aquele que tem provavelmente mais impacto e que paradoxalmente é menos referido é o PIDDAC. Olhando a criatura, conclui-se que não é um laxante, pois o seu nome não acaba em lax. Também não é um analgésico, não terminando em ol. É o Plano (ou Programa) de Investimentos e Despesas de Desenvolvimento da Administração Central. A que se acrescenta a expressão Regionalizado. É uma espécie de Fiat 600, mas com tunning. Não passa dos 100 km/h, mas tem estilo, parece moderno.

Afinal o que é o PIDDAC Regionalizado? É nesse Plano que o Governo anualmente define os investimentos que serão feitos nas mais diversas regiões. Desde auto-estradas a sedes de sociedades recreativas. Começa aqui o absurdo. Não se percebe como é que se distribui investimentos por regiões, quando o país não está regionalizado. Como é absurdo pensar que uma Administração Central ineficiente como é a que temos, possa ter a mínima noção das necessidades concretas de uma determinada localidade.

Resultado: num ano o Governo define como prioridade a construção da sede social da Sociedade Recreativa de Arrefinfa-lhe de Cima e programa o seu financiamento para os próximos 5 anos. Faz-se uma festa de arromba, vem o padre, o autarca, o Sr. António, trolha promovido a empreiteiro da construção civil, o subsecretário de estado das pontes, das fontes e de outros mastodontes. A vernissage éapresentada pela Tininha, filha da Lurdes cabeleireira, Miss Arrefinfa-lhe de Cima 2003. Começa-se a construção. No ano seguinte aquilo que estava programado para 5 anos, simplesmentedesapareceu do mapa (o PIDDAC apresenta-se em mapas, por causa da seriedade) e não volta a aparecer nos piddacs seguintes. Arrefinfa-lhe de Cima ganhou assim um novo postal ilustrado, a Tchetchénia das Beiras. Ficou a magnífica maquete, exposta na Junta de Freguesia. Da sede apenas tijolos e sacos de cimento que se esvaem ao vento, roídos pelo Eusébio, cão do Sr. Martins, também ele afectado pela desertificação, concorrendo deslealmente com os carros telecomandados que os emigrantes trazem no Verão, pela atenção da meia dúzia de miúdos da aldeia. Começam então as rifas, os bailes populares na tentativa de arranjar capital para construir a sede. 10 anos depois a sede é inaugurada, com a presença do padre, do autarca, do Empresário da Construção Civil, Sr. Eng.º António e pelo subsecretário de estado das bandas, filarmónicas e fanfarras. Para grande desgosto da Tinhinha, que vários quilos depois perdeu a graça petulante que tinha, a inauguração éapresentada pela Jessica Vanessa, filha do Presidente da Junta, homem de trabalho, regressado há uns anos do Luxembourg. O edifício é completamente anacrónico, não cumpre as regras dos 733.499.234 regulamentos comunitários que entretanto saíram sobre edifícios de utilização pública, mas o que interessa é que está lá, secretamente inaugurado por um já trôpego Eusébio, que a custo saiu do seu quintal e conseguiu alçar a perna junto à peanha que sustenta a placa da inauguração.

Tudo isto acontece porque o PIDDAC é sobretudo o sustento da política de corredores, instrumento da promoção pessoal de caciques locais e de carreiristas, decidido em gabinetes impecavelmente mobilados, onde se discute, entre sorrisos cúmplices perante o andar de corista da nova secretária ou o ar very british do novo assessor, a quem se vai distribuir os dinheiros do PIDDAC, em nome de interesses pessoais ou partidários, dos amigos directamente beneficiários dos investimentos, tudo razões de Estado e quase nunca com base em necessidades reais e concretas das populações.

De norte a sul, do pólo norte ao pólo sul, passando algumas vezes pelo polylon, milhões e milhões de euros são desbaratados, projectos são aprovados para no ano seguinte serem esquecidos.

Para não se pensar que estou a falar de cor, deixo um exemplo. Aquela que é a mais importante obra algum dia feita na Póvoa, as novas instalações da CerciPóvoa, que mais do que alimentar esta ou aquela clique ou grupo de pressão éuma obra que nos distingue e eleva, que nos faz sentir menos terceiro-mundistas, aguarda, nua e desconsolada que o PIDDAC a volte a colocar no mapa.

Tenho a certeza que a CerciPóvoa terá todo o gosto em acolher, de preferência em regime de internato, alguns dos que mais têm contribuído para este estado das coisas.

2 comentários:

Anónimo disse...

Boas,

Com este texto queres dizer que todas as instituições servem apenas para branquiamento de capitais...

Os mais inteligentes, roubam de forma descarada e sem ninguém saber!

O que conheces da CerciPovoa?

Nuno Augusto disse...

Meu/minha caro(a)

Não referi qualquer branqueamento de capitais neste tipo de instituições.

Conheço bem o funcionamento de várias instituições...

Nuno Augusto